Os conteúdos das obras de arte têm uma conexão intensa com os simbolismos inconscientes. Em 1909 em uma palestra na Sociedade Psicanalítica de Viena, Freud defende que a forma da obra de arte é um precipitado de um conteúdo mais antigo. Assim, indica que a arte possui raízes nas profundezas do inconsciente, revelando um grau de recalque rebaixado do artista, uma espécie de “fenda” ou “brecha” de acesso às fantasias desconhecidas: espaço de enlaces de metáforas, do lúdico, do estranho e dos assombros.

Essa forma de transformar a realidade, que o artista encontra por meio de suas obras, é muito próximo ao brincar das crianças, já que através da brincadeira se cria uma realidade muito particular. A psicanalista MagalyCallia e Adela realizam contribuições importantes para tecer reflexões sobre o brincar no presente artigo. A autora Callia aponta o brincar como essencial no processo de elaboração. É o espaço potencial do brincar que permite a experiência de SER dentro de eixos espacial e temporal, possibilitando a criança imaginar o futuro.

O brincar, portanto, é imprescindível para a constituição do sentimento de permanência, de ser sujeito em um determinado tempo e espaço, que são os eixos primordiais para o sentimento de existir. Conforme a psicanalista Callia aponta no seu texto “No caminho da transicionalidade: brincando criamos o mundo”, o brincar da criança é capaz de aglutinar experiências de várias ordens, como sensorial, cognitiva, emocional e social. Desse modo, é por meio do brincar que a criança se insere na cultura e no simbólico, criando e recriando a realidade espontaneamente, descobrindo um recurso preciso para a criança lidar com perdas, angústias, separações e ansiedades. Como diz Callia, o brincar diz respeito à possibilidade que o indivíduo tem, desde que nasce, de se relacionar, de se comunicar, de ter uma ação no mundo.

A psicanalista Adela no texto “O jogo do jogo”, aponta que os objetos do consultório funcionam como suportes imaginários dos significantes. Essa perspectiva acredita no uso de brinquedos pela criança como o seu modo de se fazer representar, combinar significantes, criar metáforas e produzir, assim, um novo sentido. Para a autora, no campo das neuroses o analista intervém, justamente, na direção dos deslocamentos dos significantes. A ideias de Lacan vão ao encontro de que o surgimento das metáforas é importante para a constituição da subjetividade, já que implica o recalcamento em operação, mecanismo constitutivo do inconsciente. Como ocorre nos sonhos, o brincar é a via régia para as fantasias inconsciente acendendo potências do sujeito vir-a-ser humano.

Não por acaso que Lacan diz que a interpretação do analista deve progredir no sentindo de estruturação simbólica do sujeito. A importância de o analista “saber” brincar e entrar no jogo da criança é, justamente, se colocar como receptor das mensagens endereçadas ao grande Outro.

O brincar traz prazer para as crianças, e renunciar a essa atividade pode ser mais difícil para os adultos, principalmente para os sujeitos que não formaram um substituto desse prazer na realidade. Freud demonstra que as forças motivadoras das fantasias são os desejos insatisfeitos, que se transformam e alteram-se de acordo com situações que o sujeito atravessa em sua vida. As fantasias e os devaneios, portanto, se constroem em uma situação presente, de acordo com um modelo de realização desse desejo no passado infantil, criando uma nova perspectiva para o futuro.

(Autor: Fernanda Fazzio, psicanalista, psicóloga e escritora)




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