Um fato que não é corriqueiro mas também nem tão raro na prática psicanalítica é o de um analisando, sem razões aparentes, parar de ir às suas sessões terapêuticas, sem avisar ou notificar ao profissional.

Sua decisão de parar com o processo é tomada por si e não comunicada. E não apenas isso: alguns deles não o fazem nem por telefone e é como se “sumissem”.

Mas é fundamental contextualizar tais quadros, pois não se devem a resistências pessoais à pessoa do psicanalista nem tampouco ao processo analítico em si, acontecimentos mais comuns que fazem parte das possibilidades de desfecho semelhante – o abandono da terapia – mas do qual o profissional já vinha colhendo sinais.

Estes são comunicados ao longo de certo período por atrasos frequentes, por ausências não justificadas ou explicitadas, por uma falta de empenho nas sessões e/ou por um tônus de certa indiferença, ou por períodos grandes de ausências de sonhos (ou demais materiais de cunho inconsciente, como “atos falhos” – ex: vai se dizer alguma coisa e se diz o oposto).

Ou também por sonolência ou silêncios frequentes nas consultas, quando os “brancos nas sessões” – que eventualmente podem ocorrer – tornam-se corriqueiros. Ocorre também o fato de o paciente sentir as sessões como demasiadamente longas, com o tempo “custando a passar.”

Todos estes fatos apontados nos parágrafos logo acima traduzem-se por uma resistência em si ao processo e podem acontecer por motivos variados, sendo o mais comum uma dificuldade transferencial (da parte do analisando) ou uma dificuldade contra-transferencial (da parte do psicanalista).

Estas duas dificuldades apontadas querem se traduzir por uma falta de empatia de um pelo outro no cenário psicanalítico, e que não foram devidamente elaboradas. Mas todas elas emitem sinais perceptíveis para o profissional atento, e a interrupção do processo nestes casos não será, em si, surpresa.

Mas voltemos para os casos que se acham dentro da moldura sugerida pelo título deste texto. Nenhuma das razões mais objetivas descritas – e por isso passíveis de serem detectadas pelo psicanalista – encontram-se presentes. São processos psicanalíticos que têm boa fluência, ocorrem sem maiores sobressaltos e com assiduidade.

Há também muito bom desempenho por parte do analisando e as falhas técnicas, quando as há, por parte do psicanalista, não são de relevância e são percebidas a tempo pelo mesmo.

A motivação do analisando está presente ao longo das sessões e do tempo de análise, via de regra mais longo e que se pretende ir mais fundo na psicogênese (ou causas psíquicas inconscientes) dos sintomas, ele “surpreende-se” quando o tempo das sessões termina e, por vezes, solicita um prolongamento da mesma – tecnicamente nem sempre possível – ou uma sessão extra ainda naquela semana.

O clima emocional com seus variados graus de identificação e manifestações, quer positivas (simpatia e derivados) e quer, com frequência menor, “negativas” predomina. Estas últimas manifestações fazem parte do processo e acontecem por oposição a alguma interpretação havida, por discordância de algumas ponderações do analista, e são manifestas através de algum tônus verbalmente agressivo em relação ao psicanalista.

Mas por que fazem parte do processo? Porque na psicanálise o analisando vai reviver muitas situações que trazia reprimidas até há algum tempo, e, nestes movimentos internos repressivos existem manifestações afetivas de amor e também de frustração ou mesmo pinceladas de ódio em relação aos pais, irmãos, colegas, amigos, profissão e a desafetos explícitos.

Estes sentimentos são revividos nas sessões de psicanálise e não são, no fundo, dirigidas ao psicanalista em si, mas para o símbolo em que ele se torna. Um profissional bem formado lidará bem com estas situações ou similares a estas.

O fato é que o processo terapêutico tem boa fluência e vai se desenvolvendo bem. São nestas situações em que podem ocorrer as interrupções surpreendentes dos clientes às suas sessões, interrupções mais frequentes depois de um bom período de férias e, importante assinalar, depois de um período de sucessivas senão ótimas soluções sintomáticas e de realizações pessoais dos mesmos.

São pessoas já próximas de uma alta previsível. Estas desistências de clientes aparentemente sem explicações racionais ou objetivas, na maioria das vezes têm uma explicação de ordem inconsciente.

Uma vez bem equacionadas suas questões principais e após um bom período de férias – como apontado acima – um processo psicanalítico começa a fazer parte de seu passado.

E como neste passado houve, além de boas revivências, vários pontos difíceis de serem revisitados, a persona (imagem) do psicanalista pode fazer parte dos nacos da história pessoal em que o já ex-analisando já não quer nem pensar.

Nestes casos – de “sumiços” sem despedida – ocorre no psiquismo do ex-analisando uma fusão da imagem simbólica do psicanalista com os momentos dos quais o até pouco tempo cliente não quer se lembrar.

O psicanalista “entra” no rol das coisas evitáveis ou descartáveis. Não se trata de uma reação de indelicadeza ou de falta de gratidão. Embora não necessariamente agradável ao psicanalista, este tem que elaborar esta possibilidade como parte de seu mister, de sua função, e não levá-la com algo endereçado à sua pessoa real, que empenhou-se em ajudar ao outro. Não se trata de insucesso, mas das imponderabilidades do imenso universo inconsciente das pessoas.




Médico Psiquiatra e Psicanalista. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

3 COMENTÁRIOS

  1. E quando acontece exatamente o contrário. Depois de anos de análise o psicanalista deixa de te atender sem nenhuma explicação plausível, te deixa sozinha, sem apoio nenhum, no meio de um processo interno extremamente doloroso? O que fazer? Quando o profissional que deveria servir de referência positiva se confunde com os “transferidos” depois de dez anos de análise?

    • Fernanda pode parecer clichê mas terapeutas são pessoas. Todos eles. Ele pode ter entrado em um processo que ele mesmo não tenha conseguido resolver e não teve condições de te colocar a par. Pode ter preferido te “abandonar” do que piorar a situação. Eu recomendo a procura de outro terapeuta, psicanalista ou não.

    • Eu tb gostaria de saber, Fernanda. O meu analista sumiu tb, mas eu fui atras dele, pra ele me explicar o sumiço. Ele não explicou. Apenas disse que ele era humano. O que me faz, hoje, concluir que deve ter sido por alguma questão dele que ele não quis me dizer, lógico. Procurei muito essa resposta por que eu fiquei achando que a “culpa” do sumiço e do abandono era minha. Ao contrário, ele tentou jogar a culpa em mim, que já estava passando uma série de perdas sucessivas e lutos um em cima do outro… não encontro a explicação ainda, mas cheguei a um ponto que, por este episódio, que se repetiu, percebi que perdi a confiança e procurei outro profissional, o que demorou pra acontecer tb por que eu não confiava em mais ninguém depois do sumiço do analista.Mas, enfim, mudei de profissional.

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