A série original produzida pelo Netflix nomeada como “13 reasons why” é uma produção baseada no livro de Jay Asher, publicado no Brasil como “Os 13 porquês”.

No entanto, este ensaio diz respeito apenas ao enredo televisivo, não contemplando especificações de sua produção literária.

A história de Hannah está provocando sérios e necessários diálogos em escolas, grupos familiares, rodas de amigos e na mídia.

É uma série direcionada ao público adolescente que aborda de modo explícito a realidade da vida escolar de jovens em uma pequena cidade norte-americana, questão que a torna uma produção que pode não ser indicada para todos, podendo ser um gatilho para muitos adolescentes, influenciando-os negativamente, levando-os a se identificar com a temática central que é o suicídio.

É preciso ter cuidado, o suicídio é questão que não pode ser negligenciada e neste sentido, acima de qualquer crítica, a série está rompendo certas barreiras para que diálogos produtivos e profissionais acerca do suicídio possam ocorrer em nível popular.

A partir de tais considerações, podemos avançar em algumas questões centrais à temática de “13 reasons why”, como a desesperança e a impossibilidade da criação e manutenção de vínculos saudáveis.

Hannah era uma adolescente inteligente, simpática, bonita, que enfrentava um ambiente escolar perverso em que o bullying e a agressividade representavam elementos constantes, compartilhados por todos e no qual, aparentemente, poucos conseguiam enxergar tamanha animalidade.

É neste contexto que Hanna passa por muitas desilusões e constrangimentos, contudo, situação após situação, ela energeticamente ignora os comportamentos desrespeitosos e humilhantes de seus colegas infantis na tentativa de não perder a esperança de que conseguiria, algum dia, encontrar algo além da perversão para se aliançar.

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O que Hannah procurava nas relações com seus colegas era alguém em que pudesse confiar, alguém para conversar abertamente sobre suas angústias, alguém que não a traísse.

A impossibilidade de conseguir, a partir de sua realidade interna e externa, a criação de vínculos de confiança, de amizade, de amor e de reconhecimento, levaram Hannah a um caminho no qual perderia a esperança de viver.

O final trágico foi o ápice de sua angústia, seu pedido desesperado por vínculo ao não possuir mais forças para continuar sua busca solitária, ao se desapontar dia após dia com todos ao ponto de não conseguir confiar em mais ninguém, nem em seus amigos, nem em seus familiares, nem em sua arte, nem em si mesma.

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Após a morte de Hannah muitos mergulharam em culpa, entretanto não há culpados. O que resta é investir em novas oportunidades para modificar as relações apontadas por Hannah, parar de desdenhar justamente o essencial para o ser humano: os relacionamentos emocionais, afetivos e sexuais em que o vínculo, o cuidado, atenção, amor, paixão e existência de verdadeiros sentimentos de cumplicidade e acolhimento devem ser seriamente estimulados e fortalecidos.

O vínculo é a base das relações humanas e também o alicerce do tratamento psicanalítico. Muitas vezes não compreendido por muitos, o vínculo é um dos pontos principais de investimento na relação entre o analista e seu paciente.

A psicanálise é prática de cuidado caracterizada por seu longo prazo, pois o tempo é simplesmente um dos seus maiores instrumentos para a cura, possibilitando a partir do vínculo o preenchimento dos vazios e a reconstrução de vivências inférteis aos sonhos, desejos, amores, para a permanência da vida, para o impulso do viver.

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A série “Os 13 porquês” alerta para a importância do investimento humano acima de qualquer outro, assim como intima o fim do silenciamento para temas como o bullying no ensino médio e as relações agressivas provocadas pelo machismo e homofobia.

Essa série demonstra a importância da reflexão crítica, especialmente na escola, problematizando a reprodução desenfreada de agressões que acabam sendo naturalizadas, quando na verdade deveriam ser fortemente repudiadas.

Isso é muito sério, pois é o exato contrário do que se espera em uma sociedade civilizada e é uma comum realidade que não se resume aos adolescentes norte-americanos, mas que também pode ser observada em qualquer escola brasileira.

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O Brasil ao invés de discutir seriamente sobre drogas, estupro, machismo, homofobia, relacionamentos abusivos, sexualidade e gênero, retira dia após dia de suas bases curriculares tais debates, assim como ignora e subestima a importância de profissionais da saúde mental nas escolas.

O silêncio não afasta o problema, pelo contrário, apenas torna-o mais forte. É preciso enfrentar e investir seriamente em educação sexual e saúde mental, assim como em práticas qualificadas profissionalmente que acolham e intervenham tendo como finalidade a melhora na qualidade e permanência da vida, e do início da vida acima de tudo.

O comportamento sádico de Hannah, ao deixar as fitas contanto as razões de seu suicídio foi o modo que encontrou para sentir-se no grupo e enfim ser reconhecida. Hannah não teve a possibilidade de concretizar seu desejo por outros meios, o que seria perfeitamente possível caso tivesse ajuda. Seu percurso destrutivo pode, entretanto, servir para alertar toda uma sociedade doente.

Para finalizar, se você ao ler este texto, se identificou em algum sentido com a personagem Hannah ou se lembrou de alguém com esse perfil, procure ajuda, pois a vida é real, não é uma produção cinematográfica. Seu sofrimento pode percorrer outros caminhos, potencialize a pulsão de vida que em algum nível existe em você.

A psicologia, psiquiatria e psicanálise podem te ajudar a compreender seus sentimentos, angústias, desejos e sonhos muitas vezes não compreendidos por mais ninguém. Os profissionais da saúde mental tanto no âmbito particular quanto público saberão como te acolher. Existe, por exemplo, o Centro de Valorização da Vida, um serviço voluntário e gratuito de apoio emocional destinado a pessoas que precisam conversar sobre suas dores, dificuldades e alegrias. Diferente do que aconteceu com Hannah, os voluntários do CVV são pessoas preparadas para a função do ouvir. O CVV atende no telefone 141 e também pelo seu site (http://www.cvv.org.br). Além do CVV, todas as faculdades de psicologia obtém clínicas-escolas com serviços gratuitos de atendimentos psicológicos para a população, podendo oferecer ajuda e acolhimento especializado em episódios depressivos, crises de pânico, assim como qualquer outra vivência que venha a desestabilizar o viver.

O caminhar do viver não precisa ser solitário…




Psicólogo clínico de orientação psicanalítica, atendendo em Itápolis-SP e Ribeirão Preto-SP. Graduado pela PUC (2014). Mestre pela UNESP (2017). Pesquisador membro do grupo de pesquisa SexualidadeVida USP\CNPq. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

5 COMENTÁRIOS

  1. Hum…
    Interessante ter citado a garota com o comportamento sádico! Tive essa sensação durante a série!!! Vingança era o que ela queria. Vingança conta gotas…
    Agora se ela queria compaixão dos colegas se danou… Pq com exceção do Clay, os outros não estavam nem aí para ela. Nem aí pela morte dela. E sim com medo de sofrerem algo. Relações extremamente rasas…
    Pena que ela não se abria com a mãe que não era distante dela… A mãe mais atenta a ouvir seria muito importante no meio desse emaranhado de relações superficiais… Ela tinha certo vínculo com a mãe não é???

  2. Ela não queria chamar atenção. Só queria ser ouvida e só deram ouvidos a ela, após a sua morte infelizmente… Está é a verdade que está por trás de cada suicídio que ninguém quer admitir. A verdade dói, mas tem que ser dita. Ela não cortou os pulsos sozinha…

  3. Como assim “não há culpados”? TODOS que negligenciaram, julgaram, maltrataram Hannah SÃO CULPADOS SIM! Essa sociedade hipócrita que prefere sempre responsabilizar aquele que sofre e inocentar os que de alguma forma infligem essa dor. Por isso que não acredito que essa vida maldita valha a pena, por causa de gente desse tipo que não tem a menor capacidade e bom senso para entender um suicida. Hipócritas!!!

  4. Concordo.
    Existem culpados sim, alguns desse jovens, como o Brice (se não estou enganada) deveria ser severamente punido, pois apenas abusou sexualmente de duas jovens. E tratar isso como nada, chega a ser revoltante.
    Na verdade isso me leva a pensar se o autor viu a série até o fim, pois ver um jovem abusando de duas jovens e falar que não tem nenhum culpado, é demais.
    Existem pessoas na vida real que superam trágicos acontecimentos como estes, mas nem todos terão forças para lutar contra uma sociedade agressiva e cruel. Nem todos terão forças para lutar contra o machismo e a homofobia que vimos na série e o próprio autor citou.
    E tantas outras coisas que acontecem todos os dias, de diversas maneiras.
    É claro que algumas vezes temos nossa parcela de culpa, mas alguns de nós só estamos tentando dar mais um passo para a vida.
    Como mostrou a própria Hannah fazendo na série “dando mais uma chance para a vida”.
    Porém, não cabe dizer a uma pessoa em sofrimento o que ela poderia ter feito de diferente. Nesse momento, a pessoa precisa apenas de acolhimento e após ter sido acolhido e percebido que ele não está sozinho, poderemos começar a trabalhar com a pessoa no sentido de fazê-la pensar “aconteceu, o que poderia ter feito, como evitar isso futuramente, etc”.

    Agora uma coisa que me chama atenção em seu comentário é você se referir a vida como se não valesse a pena, posso estar enganada, mas acredito que você está passando por um processo doloroso e está precisando de ajuda.

  5. Fiquei feliz que ela se matou logo. Escolha dela. Fraqueza dela, retratada diversas vezes em escolhas erradas. Bizarro ela ser super cheia de si e ter se matado.

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