Talvez seja o mais importante e satisfatório desafio da existência. Muitos podem vir a dizer que se trata de conseguir um bom emprego. Outros podem dizer que se trata de manter e cultivar os afetos apesar das dificuldades no núcleo familiar.

Podem dizer também que se trata de simplesmente viver a vida em meio a tanta violência urbana. Ou alguns podem dizer que penoso mesmo é ser injustiçado por alguém. Muitas coisas podem ser ditas. Mas o presente texto defende que a mais penosa das travessias é transpor a chamada “zona de conforto”.

Cada um de nós tem limites de atitudes ou pensamentos que não gostamos muito de ultrapassar. Posso aceitar lavar a louça suja, mas cozinhar eu sempre evito, e só o faço quando obrigado ou quando não há outra saída.

Posso aceitar que meu filho não queira procurar mulheres para com as quais se relacionar, mas a partir do momento em que ele demonstra interesse por homens já é algo que tenho dificuldade de buscar compreender. Não quero nem fazer algo que não gosto muito e nem refletir acerca de um fato que eu não queria que ocorresse. Assim como esses, inúmeros exemplos poderiam ser citados.

Como o nome diz, “zona de conforto” é uma posição na qual me sinto confortável. Para além dessa posição, me sinto desconfortável, incomodado, e prefiro evitar. E quando não quero transpor esse limite acabo por sofrer de diversas formas possíveis.

Posso gerar desentendimentos, posso me sentir incapaz diante dos desafios, menosprezar os outros, etc. Provavelmente, sempre quando sinto muito confortável em determinado pensamento ou com determinada gama de atitudes estou nessa “zona”.

Entretanto, não há problema nenhum em sentir-se confortável. O ponto não é bem esse. Inclusive, todas as nossas atitudes que tomamos só o fazemos na busca do melhor, do que nos possibilita um conforto, seja físico, moral ou mental.

Buscamos e devemos sempre buscar o conforto, mas conforto é algo que aprisiona. O grande e saudável desafio é estar pronto para transpor as barreiras da comodidade. Essa transposição não é algo confortável. É algo novo.

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Transpor essa barreira significa encontrar liberdade. Não, liberdade não é fazer o que se quer. Mas é não ser mais limitado por si mesmo, pelos meus desejos, muitas vezes baseados em acomodação.

Quando me permito fazer comida e aprender um pouco mais e melhor como cozinhar, amplio minhas possibilidades, me sinto capaz, criativo. Da mesma forma, quando reflito que meu filho pode sim buscar afetivamente algo diferente do que busquei, e que nunca deixará de ser meu filho, a pessoa que vi crescer e sempre amei, respeitando suas escolhas, certamente evito desentendimentos e me sinto mais amoroso e sereno diante dessa realidade.

A vida constantemente nos convida a transpor os limites do conforto. Não para tripudiar de nós, mas para nos fazer mais amplos, fortes, mais vivos. Aceitar esse convite significa perceber que existir é mais que se acomodar. É criar, inventar novas saídas, lutar. A existência é tal como um mar, vasto e repleto de ondas, nos convocando para vivenciar essa vastidão também.




Psicólogo, reside no Rio de Janeiro e é colunista do site Fãs da Psicanálise.

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