Num reino distante, o povo vivia em total letargia. O soberano nunca aparecia em público e governava através de seus conselheiros. As decisões eram comunicadas através da única emissora de TV e Rádio do império e, em função disso, os súditos não podiam opinar sobre seu destino.

Não existia internet ou redes sociais, as raras manifestações feitas no passado tinham sido reprimidas à base de fogo pesado. O reino vivia uma paz tensa. A possibilidade de uma guerra era nula, mas havia um sentimento no ar de que, a qualquer instante, poderia haver uma eclosão.

E ela veio.

Certa noite entrou no ar, pela Rede Real de Televisão, uma nova atração totalmente diferente dos boletins chapa branca sobre os avanços da nação. Era um programa de humor apresentado pelo Bobo da Corte. Para surpresa geral, o pateta cometia piadas com tudo e todos, inclusive o Soberano. Era difícil acreditar que aquele anão caolho estivesse fazendo, ao vivo, e em horário nobre, chistes tão pesados contra o Grande Senhor das Terras, Céus e Mares.

A anedota sobre o dia que o Rei broxou com uma de suas concubinas confirmou que algo mudara radicalmente no longínquo feudo. O mais interessante é que o programa de humor era diário. Toda noite, no horário habitual, lá vinha ele com gozações e sarcasmos, cada vez mais bizarros.

Não demorou para que o Bobo passasse a ser uma figura cultuada entre os súditos. Os espetáculos de stand-up nos teatros do território lotavam; uma série de TV com oito temporadas em DVD era vendida em todas as esquinas e um documentário sobre sua vida estava em fase final de captação.

Nunca se gargalhou tanto num lugar. A situação lembrava a daquelas cidades indianas vitimadas por ataques de riso ininterruptos. Por outro lado, os desmandos politico-econômicos cresciam, os ataques às liberdades individuais se acirravam.

O Bobo da Corte, na paralela, a cada dia se aprimorava mais na arte da chacota. Agora ocupava mais de dois terços da grade televisiva, com programas não só de humor, mas de culinária, condicionamento físico, classificados, música e talk-show.

Um ano depois da primeira aparição do Bobo na TV, um apresentador surgiu em boletim especial no horário nobre. Anunciou, em tom formal, que o Rei faria um pronunciamento especial. Houve uma grande comoção, milhões de cidadãos se aglomeraram para ver, ao vivo e em cores, pela primeira vez, o seu monarca.

Após o toque de clarins com as notas do hino nacional, ele surgiu: o Rei era o Bobo da Corte.

Daquele dia em diante, todos os herdeiros da coroa foram Bobos da Corte. Uns com estilo avacalhado, outros nonsense, alguns mais politizados. O povo ria como nunca, apesar dos porões do Sistema continuarem cheios de notícias nada agradáveis.

A comunidade internacional decidiu promover, meses depois, um bloqueio econômico contra o Reino. O Secretário-Geral da ONU afirmou, ao The New York Times, que aquele não era um país sério.

Mesmo assim, há muito tempo, nada se altera por aquelas plagas. Afinal, quem vai querer mudar alguma coisa em meio a tanto riso e pouco siso? Só um bobo.




Carlos Castelo é psicanalisado, escritor, letrista e um dos criadores do grupo de humor musical Língua de Trapo. É colaborador do Estadão e das revistas Bravo, Ponto (Sesi-SP) e Bula. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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