Todos nós já tivemos algum momento em que nosso principal inimigo fomos nós mesmos.

Aquele documento importante para uma prova que acabamos deixando esquecido em cima da mesa… Aquela confusão com o horário de um compromisso que poderia mudar os rumos de nossa carreira… Aquela vozinha que diz constante e irritantemente: “não vai dar certo”.

Existem infinitas formas de trair a si mesmo, cada pessoa [e seu respectivo inconsciente] encontra meios para o autoengano, para autossabotagem. Como bem sabemos, ninguém é igual a ninguém e para vencer esses fantasmas internos que nos traem, devemos passar por um processo detalhado de autoconhecimento.

No esforço de atentar para alguns movimentos de autossabotagem e as formas de enfrenta-los, apresento 3 lições muito trabalhadas na minha prática com a clínica em psicologia.

Primeiro, falemos sobre aqueles que reclamam do azar em suas vidas.

Imagine uma pessoa em uma situação minimamente estável, mas sem condições de crescimento pessoal. Essa pessoa diz de todas as oportunidades que lhe foram tiradas, sobre como a sorte parece estar contra ela, que as injustiças do destino recaem todas sobre os seus ombros.

Quando olhamos mais perto, percebemos que o sujeito em questão negou todas as possibilidades de crescimento, sempre tinha uma desculpa muito bem articulada, pelo menos para si mesmo, dos motivos pelos quais não deveria se arriscar.

Sair de uma condição estável para uma empreitada em direção à projetos mais arrojados, com raríssimas exceções, significa risco. Apesar de algumas histórias de sucesso, sabemos que muita gente acaba fracassando nessas tentativas e nada mais natural que sentir receio.

É muito importante deixar claro que não tem problema nenhum querer estabilidade, decidir continuar na chamada zona de conforto, o problema é estar alienado dessa decisão. Quando sabemos a razão de nossas decisões não precisamos inventar tragédias pessoais que expliquem nossa atual condição. Claro que ninguém quer perceber que uma boa parte de nossa insatisfação foi causada por nossas próprias escolhas, mas, por mais desagradável que seja, é muito mais saudável.

Outra forma comum de autossabotagem acontece por uma busca desmedida pelo sublime.

É visto normalmente entre pessoas com uma forte tendência intelectual e/ou espiritual. Capaz de paralisar em função de expectativas exageradas.

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Quando o sujeito espera que exista algo muito especial por trás das ações, ele fica sem capacidade de realizar o mínimo. Esquece que toda realização começa com um pequeno ato e acaba tentando queimar etapas, desesperadamente, quando na verdade não consegue sair do lugar.

É importante voltar a atenção para o pragmático, para a realização prática e pequena das coisas. Um aprendizado que vem de algumas tradições ocultistas deve ser relembrado: o pequeno reflete o grande.

Em muitos dessas ordens discretas, sejam elas orientais ou ocidentais, o candidato a iniciação não começa suas atividades pelos segredos filosóficos e milenares, mas pela atividade prática diária. Ficam a cargo deles as tarefas domésticas… limpar, cozinhar, cuidar das hortas…

Leia Mais: Você já se permitiu se surpreender?

Como uma pessoa poderá lidar com os grandes segredos do universo se não é capaz de arrumar a própria cama?

Por último, mas que é não menos comum, podemos falar sobre uma autossabotagem de origens afetivas.

É muito comum em relacionamentos amorosos ou contextos familiares. A pessoa tem boas capacidades de crescimento, mas se priva de alçar voos maiores para continuar cabendo na relação que busca preservar.

Por mais que essas relações possam produzir felicidade, com o passar do tempo a frustração pode ser maior que os benefícios. Devemos ter em mente que as pessoas, por mais que sejamos animais relacionais, são, cada uma delas, responsáveis por seus próprios percursos e histórias.

Não adianta se privar se suas qualidades para preservar o outro de encarar suas próprias limitações… não existirão ganhos com isso, nem para si, nem para o outro.

Dificilmente alguém conseguirá viver feliz com uma ancora que puxa seus resultados para baixo. Por mais duro que pareça, às vezes, o melhor é deixar para trás quem não quer ou não consegue nos acompanhar em nossa jornada.

Conhece outras formas de autossabotagem? Compartilhe com a gente. Vejo vocês nos comentários!




Marcelo Marchiori é psicólogo clínico, especialista em interpretação de sonhos e imaginação ativa. Escreve [quase] diariamente sobre psicologia, comportamento e sociedade. Pode ser seguido por seu perfil no Facebook. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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