Esses dias assisti, de forma despretensiosa, um documentário intitulado “I am”.

Escolhi esse vídeo dentre os muitos da minha fila do Netflix baseada num critério muito sério e relevante: a fofura da capa. E não é que funcionou?

O documentário foi idealizado, dirigido e estrelado por Tom Shadyac, diretor de comédias de sucesso em Hollywood como O Todo Poderoso e Ace Ventura.

A produção trata das inquietações do próprio Tom, que após sofrer um grave acidente passa a questionar – e a reorganizar – o modus operandi da própria vida (até então recheada de excessos) e a investigar dois pontos fundamentais da existência: o que anda de errado com o mundo e o que podemos fazer a respeito.

A investigação de Tom inclui entrevistas com cientistas, escritores e líderes espirituais e nos convida a uma reflexão interessante, conduzindo-nos do geral ao particular, dos grandes problemas do mundo às responsabilidades individuais que permeiam nossas escolhas todos os dias – e que somadas vão resultar justamente nos grandes problemas do mundo.

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E neste movimento do macro para o micro, uma frase me ganhou em definitivo: “Pequena ação é algo que não existe. A forma como cumprimentamos alguém, a alegria que sentimos com a natureza, com a família, amigos e estranhos. Tudo importa. A ciência é clara. Cada um de nós e trilhões de células loucas e milagrosas que nos formam realmente têm o poder de mudar o mundo.”

A gente vive tanto no modo automático que não nos damos conta da importância enorme de cada “pequeno” ato, de cada “simples” escolha que fazemos ao longo de um dia normal.

Escolhemos ser gentis ou indiferentes? Elogiar ou calar – ou pior, criticar? Guardar o papel no bolso até encontrar uma lixeira ou atirá-lo ao chão (afinal, é só um minúsculo papelzinho de chiclete…)? Cumprimentar com um sorriso genuíno ou por pura obrigação? Ouvir com atenção ou apenas fingir que escutamos enquanto os pensamentos estão vagando em mundos completamente distantes? Cuidar do lixo reciclável ou juntá-lo ao orgânico por preguiça? Oferecer ajuda ou fingir que não notamos a necessidade do outro?

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São tantas e tão variadas as nossas possibilidades de escolha. E elas acontecem o tempo todo.

O desafio é desativar o piloto automático e passar a usar o câmbio manual, escolhendo as marchas com consciência e discernimento, optando pela gentileza – consigo mesmo, com o outro, com o espaço que utilizamos.

Optar pela gentileza não significa abrir mão do próprio conforto ou se jogar em causas nobres e grandiosas. Significa desenvolver a empatia, doar mais sorrisos, mais palavras de alegria, um pouquinho mais de proximidade, de demonstração de carinho ou interesse pelo bem-estar do outro – seja ele o amigo, a mãe, o garçom ou o cara que espera para atravessar a rua na faixa de pedestres.

Podemos acionar nosso botão da gentileza oferecendo lugar na fila – ou no ônibus – a um idoso, a alguém com criança no colo ou a uma pessoa que simplesmente parece mais exausta que nós; dando espaço no trânsito; fornecendo informações com paciência e delicadeza; cumprimentando as pessoas com um sorriso (sim, isso pode mudar o dia de alguém!); dedicando atenção integral ao que estamos fazendo – o famoso “viver o AGORA”…

Ser gentil também é ser grato. Porque só consegue demonstrar gentileza de verdade quem experimenta gratidão.

Gratidão por ser quem se é, com defeitos e qualidades, mas com uma história única e intransferível. Gratidão pela vida, esse caminhar cheio de surpresas e aprendizados, avanços e tropeços. Gratidão pelo o que se tem, desde as conquistas materiais até aquelas de valor imensurável como saúde, amigos, alegria, família unida (ou desunida, ou esquecida, ou complicada, mas família!), paz de espírito, coragem para tomar decisões e cabeça equilibrada para lidar com frustrações.

Vi uma entrevista esses tempos sobre depressão. E o entrevistado – cujo nome infelizmente não me recordo – dizia que o sentimento de gratidão é um importante antidepressivo. Porque, segundo ele (e agora segundo eu também), quanto menos gratidão uma pessoa tem pela vida, mais isolamento ela constrói em torno de si.

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Quanto mais isolamento, por sua vez, mais egoísmo, menos abertura para o mundo, menos cores na paleta da vida. E, salvo quando a intenção é ser vintage ou produzir um efeito artístico específico, a vida em preto e branco é, por definição, triste.

E este texto singelo é isso: um convite despretensioso ao carinho genuíno, à construção de mais pontes de gentileza. Pontes pequenas, simples, que demandam apenas um pouquinho de disposição. E quando uma ponte pequena se juntar a outra ponte pequena, e a outra ponte pequena, e a outra… teremos um espaço enorme de deslocamento que encurtará nossos longos trajetos – especialmente aqueles trajetos muitas vezes sinuosos que nos conduzem até o mundo do outro.




Graduada em Letras, com MBA na área de Engenharia da Qualidade, não trabalha nem numa área, nem na outra - o que mostra que nem tudo é linear nessa vida. Não é terapeuta, nem psicóloga; está começando a tatear seus caminhos profissionais na astrologia (porque é por ali, no meio das estrelas, que o coração dela estacionou há tempos...). Tirando a parte dos rótulos, ela é apenas uma dessas pessoas que tentam viver com ética, bom humor, leveza e autenticidade - e que nem sempre conseguem, mas continuam tentando. Escrever foi a forma que ela encontrou, desde muito criança, para organizar a bagunça da mente e do coração. Por sorte, tem funcionado desde então. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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