Sempre invejei as pessoas que têm certeza de seu futuro. Pergunte-lhes “o que você se vê fazendo daqui a cinco anos?” (dez, quinze, não importa), e elas têm a resposta pronta, firme, certeira.

A maioria de nós mal consegue saber o que fará no próximo domingo – e, para um mesmo número, decidi-lo pode ser um processo penoso –, e elas mostram segurança e placidez que nos fazem sentir atrasados e, mesmo, deslocados em nossa existência individual.

Descobrir o sentido de nossas vidas, então, nem se fale… Afinal, como dar sentido a um amontoado de amores, desejos, sonhos, alegrias – e igualmente a seus opostos, o ódio, o desinteresse, o pesadelos, as amarguras –, que se acumulam ao longo de nossos dias, anos, meses? Nossas vidas, ao cabo, se parecem muito mais a um novelo de lã emaranhado, em que fios se encontram, desencontram, entrelaçam, rompem, dão nó, do que a um colar de pérolas, em que cada conta, em tamanho, cor, brilho, se assemelha à anterior e à posterior, e, juntas, formam um todo unilinear, harmônico, com começo e fim, deslumbrante em sua inteligibilidade e, a um só tempo, simplicidade.

Quantos pensadores, filósofos, cientistas, estudiosos e amadores não terão se debruçado sobre o sentido de nossa existência? Algum deles terá chegado perto de descobri-lo? A resposta é um sonoro – e, reconheço, desanimador – não. E isso por um motivo simples: não existe um sentido apriorístico da vida.

Ele é, antes, uma construção diária e, como tal, maleável, que oscila ao sabor de nossas experiências, circunstâncias, valores e anseios. Como a própria vida, seu sentido é incerto e, por isso mesmo, mutável. Ao cabo, não existe um sentido para a vida; existem, ao contrário, sentidos.

Viktor Frankl (1905-1907) terá sido talvez o pensador contemporâneo que mais perto chegou de oferecer uma resposta satisfatória para os sentidos da vida. Neurologista e psiquiatra austríaco de origem judaica, sobreviveu a três campos de concentração nazistas, o que marcou profundamente sua teoria e prática psicoterapêutica. Fundou a chamada “Terceira Escola Vienense de Psicoterapia”, ou logoterapia, que enfatiza a busca de sentido, ou vontade de sentido (will to meaning) como força determinante da existência e trajetória humana – em oposição às primeira e segunda escolas, de Sigmund Freud (1856-1939) e Alfred Adler (1870-1937), respectivamente, que atribuíam esse papel à vontade de prazer (will to pleasure) e vontade de poder (will to power).

Para Frankl, o sentido da vida mudaria de acordo com as exigências diárias de nossa própria existência e somente poderia ser realizado (i) pelo fazer algo, (ii) pelo amar alguém ou (iii) pela postura ante o sofrimento inevitável. Sim, Frankl admitia que havia sentido até mesmo no sofrimento – desde que não pudesse ser encontrado nas duas primeiras formas e que fosse absolutamente inevitável.

Ora, o trabalho, o amor e o sofrimento são não apenas experiências individuais, que cada um de nós experimenta de forma única e incomparável, mas, também, são suscetíveis a mudanças, por vezes radicais, dentro de nossa própria existência. Afinal, quem ama de duas maneiras iguais? Quem constrói coisas diferentes com a mesma energia e dedicação? Quem padece com a mesma intensidade os mesmos sofrimentos? Se assim for, então não há que se falar em sentido, mas sentidos da vida. E não é preciso ir muito longe para concordar com essa ideia.

Basta um pouco de intuição: aos 15 anos, nossa vida têm um sentido bem distinto – e por vezes contraditório – do que tem aos 4, aos 25, aos 37, aos 69 ou aos 82. Pensando bem, acho que não vou mais sentir inveja dos firmes e imutáveis. Vou, sim, suspeitar que algo não vai bem. Porque deve haver algo errado com uma existência que não reconhece os altos e baixos, os vaivéns, os passos adiante e atrás, os tombos e os soerguimentos – em suma, as incertezas e as adaptações de uma obra em permanente elaboração, que não alcançará jamais sua forma final e acabada – e, por isso mesmo, é tão desafiadora e fascinante –: a vida.




Diplomata e colunista do site Fãs da Psicanálise

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