Polegarzinha é um conto de Hans Christian Andersen, publicado em 16 de Dezembro de 1835.

O conto começa com uma mulher que desejava muito ter um filho, mas não conseguia. Até que um dia uma fada lhe dá um grão de cevada, que ela diz ser incomum. A mulher planta o grão em um vaso, e após certo tempo nasce uma bela flor com uma pequena menina dentro. Por ser do tamanho do polegar, a mulher a chama de Polegarzinha.

Observando os personagens iniciais vemos que só há figuras femininas: a mulher, a fada (ou bruxa em algumas versões) e a menina. Não há um pai, nem nenhuma outra figura masculina. Isso indica que a jornada empreendida pela heroína leva ao encontro com o masculino.

Além disso, como é comum nos contos de fadas, que o nascimento do herói ou heroína seja miraculoso. E esse é o caso de Polegarzinha, ela nasce de forma miraculosa, sem a intervenção humana. E ela também não possui aparência humana, seu tamanho é desproporcional, pequena demais. Essa aparência não humana significa que se trata de uma imagem arquetípica. Um modelo de heroína, que está em conformidade com a psique como um todo.

Para Carl Jung, arquétipo é “um padrão instintivo de comportamento que existe no inconsciente coletivo”, e que é comum a todos os humanos, por essa razão que mesmo existindo diferenças culturais entre os povos encontramos temas idênticos nas Mitologias e religiões.

Nos contos de fadas vemos essas imagens arquetípicas de forma mais crua e destituída do caráter religioso. Devido ao fato de possuírem uma expressão mais livre do que os mitos (que carregam consigo muito da civilização a que pertencem) sua análise é mais difícil.

E no caso do conto, Polegarzinha é realmente inumana. Uma bela menina do tamanho de um polegar. Um ser frágil e provindo da natureza.

O polegar é o dedo mais importante para o homem, pois com ele foi possível a fabricação de instrumentos para defesa e modificação do ambiente, que trouxe uma evolução intensa a nossos ancestrais hominídeos.

É o dedo que permite o movimento de pinça e é o único dedo capaz de realizar uma rotação de 90º, ficando perpendicular à “palma” da mão. Ou seja, ele é mais flexível que os demais.

A flexibilidade é uma característica do feminino, pois é no feminino que está a exceção às regras.

Além disso, podemos dizer que o polegar é um símbolo fálico, pelo fato de se colocar ereto. Na magia o polegar está associado ao planeta Marte, o deus da guerra.

Com essa análise, percebemos que o polegar contém em si os contrários, feminino e masculino, simbolizando uma totalidade. A heroína ao ser representada do tamanho do polegar mostra que ela vai empreender uma jornada rumo a união com o masculino.

Ela nasce de um grão de cevada. Bem a cevada é uma semente bastante exigente em relação à fertilidade do solo e é uma cultura típica do inverno. Dela é fabricada uma farinha que é utilizada na fabricação da cerveja.

Na Mitologia Grega a cevada e a cerveja são consagradas ao Deus Sabazius, filho de Perséfone e Zeus, que muitas vezes é confundido com Dioniso, possuindo atribuições semelhantes.

Conforme a Mitologia, Sabazius costurou Dioniso na coxa de seu pai Zeus, para que pudesse sobreviver após sua mãe Semele ter sido fulminada pelos raios de Zeus.

Sabazius também era conhecido por sua velocidade e poder de transformação. Considerado como uma divindade agrícola, tal como Dionísio ele também tinha chifres na testa. Alguns chamavam Sabazius de deus-cabrito. Venerado durante a Sabátidas, consagravam-lhe o trigo e a cevada, de onde se fermentava uma bebida inebriante que era servida e apreciada pelos presentes. Essa bebida era a cerveja.

As Sabátidas eram festivais consagrados a Sabazius e também a Pã – deus dos bosques e a Príapo – deus da fertilidade, todos representados pela figura de faunos ou bodes. Durante a festa os convivas banqueteavam sentados no chão sobre peles de animais caprinos, com as quais também se cobriam encarnando seu comportamento e imitando seus berros.

Nesse culto agrário, uma virgem nua simbolizava a fertilidade. Em alusão à Demeter – a Mãe Terra, a virgem deitava-se sobre a mesa ritualística e recebia sobre o ventre as oferendas, geralmente o trigo e a cerveja. Ela própria após o banquete era oferecida à divindade caprina dona da festa, sempre encarnada por um sacerdote com máscara de chifres, vestido com pele de cabra, assim como os demais presentes.

Mitos e contos de fadas sempre tiveram uma ligação entre sim. Conforme Von Franz (2005), o mito seria uma produção mais cultural, mais ligada à civilização a qual pertence, no entanto, ambos trazem a superfície da consciência material do insconsciente coletivo. A diferença é que, como o mito está mais próximo de uma cultura, ele se encontra mais perto da consciência coletiva, e assim torna a sua interpretação mais fácil que a dos contos de fadas.

Quando um mito decai com a civilização a qual pertence, ele permanece na forma de contos de fadas, por essa razão podemos encontrar indicações de mitos nos contos. E quando a analise de um conto se torna difícil é possível recorrer a um paralelo com um mito.

Em A Polegarzinha vemos algumas alusões ao mito de Perséfone.

Perséfone é filha de Demeter e Zeus, mas seu pai é ausente. Ou seja, é uma relação basicamente mãe e filha, até que Hades se apaixona por Perséfone e a seqüestra, fazendo com que a mãe entre em desespero.

Em Polegarzinha, a menina é raptada por um sapo que deseja que ela se case com o filho dele.

Isso simboliza o fato de que na relação mãe e filha simbiótica, o masculino é visto como um ser asqueroso, seqüestrador e violador.

No mito, entretanto, sabemos do sentimento da mãe de vingança contra o rapto. Já no conto não vemos mais a figura da mãe após o rapto, não ficamos sabendo da sua dor nem o que ela fez após o incidente. A estória fica toda focada na heroína, o que é bastante interessante, pois no mito não sabemos o que ocorre com Perséfone quando ela é levada ao Hades.

Além disso, o mito de Perséfone simboliza o ciclo anual das colheitas e das estações. Quando está com sua mãe a terra se cobria de verde e se fazia a primavera, mas quando ela volta para seu marido Hades o rigor do inverno toma conta da Terra.

Perséfone é o grão que morre, para renascer mais jovem, forte e belo (Brandão, 1986). Ela vai para o interior da terra, morre simbolicamente e renasce em uma forma mais amadurecida.

E o que morre nela? Morre seu aspecto infantil, de eterna filhinha da mamãe. Nos mitos Eleusis, quando Perséfone retorna do Hades, ela ressurge com um filho nos braços. Ou seja, ela saiu da condição de filha para mãe. Aquela unidade simbiótica com a mãe foi rompida e ela pode se relacionar com o masculino e seguir seu processo de individuação.

No conto Polegarzinha, é um ser da natureza. Sua jornada se inicia na primavera, passa pelo inverno quando ela vai morar no interior da terra na casa do (novamente aqui o masculino é representado como algo asqueroso), até que ela encontra a redenção. Isso mostra que em nossa sociedade ocidental o feminino está associado à natureza. O feminino conhece os ciclos, os momentos de extroversão e introversão (não é a toa que a mulher tem o ciclo menstrual).

No entanto o rato do campo que abriga Polegarzinha em sua casa é extremamente gentil. Ele a abriga em sua casa e lhe dá alimento, mas em troca Polegarzinha deve limpar e arrumar a casa para ele.

É comum nos contos de fadas a heroína ter de trabalhar durante certo tempo como serviçal. Exemplos disso: Branca de Neve que trabalhou para os anões em troca de abrigo, Cinderela também trabalhou como serviçal da madrasta e das irmãs.

Isso mostra que o feminino muitas vezes deve suportar o sofrimento e esperar a melhor ocasião, pois é esse principio que conhece os ciclos da vida. Em nossa sociedade ocidental focada na ação, muitas vezes o ato heróico é suportar pacientemente uma situação até que chegue o momento certo de agir.

O rato então sugere que Polegarzinha se case com seu vizinho que é uma toupeira e que não gostava do sol nem das flores e nunca saia de seu buraco.

As toupeiras vivem no subsolo em tocas, são cegas. Portanto é um animal ctônico. É um animal matriarcal, pois a colônia das toupeiras é sempre liderada por uma rainha que controla a reprodução das fêmeas.

Após ajudar uma andorinha que estava quase morrendo no subsolo da terra, Polegarzinha consegue escapar com a ajuda dela.

Os pássaros em mitologia em contos de fadas costumam ser associados ao espírito, as ideias, pensamentos e ao mundo abstrato. Essas figuras com asas simbolizam ideias criativas e transcendentes.

No mito, Perséfone e levada de volta aos braços da mãe Demeter por Hermes.

Hermes é o deus da comunicação entre o mundo humano e dos deuses e costuma ser caracterizado usando uma sandália com asas.

Esse deus, assim como o pássaro, é volátil e representa o espírito. Do ponto de vista feminino é o animus que traz a tona ideias criativas e liberta a mulher da escravidão do inconsciente.

Perséfone, ao ser liberta, adquire a habilidade de ir e voltar do Hades, adquirindo as mesmas habilidades de Hermes. Do ponto de vista masculino, tanto ela quanto Polegarzinha, simbolizam a anima que evoluiu ao status de sabedoria e se tornou um psicopompo, ou seja, um guia para o homem.

Ao escapar com a ajuda da andorinha, Polegarzinha chega aos países quentes e lá passa a viver em uma flor. Para sua surpresa ela encontra o príncipe das fadas que se apaixona por ela e a pede em casamento. Ela se casa, ganha um par de asas, se torna rainha e passa a se chamar Maia.

Ela ganha um par de asas, ou seja, ela também se torna um ser volátil, ganhando do seu animus evoluído, assim como Perséfone, habilidades criativas e contato com o transcendente, sem com isso se identificar com ele e perder sua feminilidade.

Outro aspecto importante é o fato de Polegarzinha mudar de nome, assim como Perséfone que antes do rapto se chamava Coré.

Isso significa que ela passou para um novo estágio de desenvolvimento. Nos antigos mistérios era comum o iniciado mudar de nome ao passar por um rito de iniciação. Com isso podemos concluir, que o conto Polegarzinha trata de um rito iniciatório feminino, em prol do amadurecimento do animus. Na mitologia grega a deusa Maia é uma sete filhas de Atlas e Plêione, sendo uma das sete estrelas da constelação das Plêiadas. É mãe de Hermes junto com Zeus. É um caso raro, pois foi a única amante de Zeus que não era odiada por Hera.

Em Roma possuía atributos diferentes. Representava o despertar da natureza na primavera, sendo responsável pela fecundidade e pela projeção da energia vital. Era a mentora de seu filho Mercúrio. Maia pode ser equivalente a uma velha deusa da Primavera dos primeiros povos itálicos (Wikipedia, 2015).

Ou seja, Polegarzinha se tornou uma deusa da fertilidade e da Primavera. Profunda conhecedora dos ciclos da vida e fonte de sabedoria.

O conto então nos mostra o amadurecimento do feminino e o encontro com o masculino criativo. A jornada que o feminino percorre para o encontro com sua personalidade mais profunda e o despertar para uma nova fase da vida.

Referencias Bibliográficas

BRANDÃO, J. S. – Mitologia Grega – vol I. Petrópolis: Vozes 1986.

ELIADE, M. – Mito e realidade. São Paulo, Perspectiva: 1972.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005. http://eventosmitologiagrega.blogspot.com.br/2015/03/sabarius-deus-da-cevada-e-da-cerveja.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Sab%C3%A1zio http://pt.wikipedia.org/wiki/Maia_%28mitologia%29




Hellen Reis Mourão é analista Junguiana e especialista em Mitologia e Contos de Fadas. Atua como psicoterapeuta, professora e palestrante de Psicologia Analítica em SP e RJ. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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