Às vezes, e digo às vezes porque ‘sempre’ seria pedir muito, deveríamos dar trégua aos cansaços pendurando nossa individualidade cheia de si no cabide, nossa independência de nariz empinado no mancebo, para nos aconchegarmos no sofá das vulnerabilidades.

Engana-se aquele que pensa ser isso um engano. Sem vulnerabilidade o amor não acontece, sem abertura o encanto não se apresenta, sem disposição o milagre não é revelado.

Via de regra o amor toca a campainha quando distraídos não esperamos visita. Mania a nossa de nunca nos encontrarmos em casa, pela agenda cheia de compromissos a confirmar nossas certezas.

Armados e de pé atrás, exigimos que o futuro amor preencha infinitos requisitos – ou nós os dele – exatamente para mantê-lo distante de nós, evitando que tenhamos que já lidar com a insegurança de nos machucarmos uma vez mais como sempre fazemos. Aconteça ele no agora, nem ele nem nós estaremos prontos para sermos felizes.

Quanto há para despedirmos antes de arriscarmos o risco de darmos certo? Garantimos então que nada dê, para que amanhã e somente lá estejamos mais bem preparados.

Adiamos a vida com condições, esperando que o amor nos aconteça no final da tarde dum outono de céu parcialmente encoberto. Prendemo-nos nas previsões do improvável, descartando os prováveis.

Eis o óbvio:ao nos concentrarmos numa direção, deixamos de enxergar as outras e a vida acontecendo ao redor. Estratégia pura de boicote! Aí o amor poderá esbarrar e pedir desculpas, sentar ao nosso lado e oferecer chiclete, nos parar na calçada e pedir informações.

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Não daremos ouvidos, não responderemos à gentileza. E tudo porque temos encontro marcado com a procura, não com o encontro. Mais do que esperar o amor chegar, deveríamos antes acreditar na possibilidade que o amor possa vir, inesperadamente, ainda que abra a porta de serviço e nos flagre nus na sala de estar.

É exatamente por estarmos nus que o amor decidirá ficar.




Poeta, escritor e colunista do site Fãs da Psicanálise.

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