Minha paciente chegou à sessão relatando que havia terminado o namoro. Algumas coisas haviam acontecido que impediam que qualquer chance de reconciliação pudesse acontecer (de acordo com ela).

Enquanto falava sobre esse evento, pontuava várias vezes o quanto tinha receio de se envolver com alguém como o ex novamente ou de voltar com o ex de novo. Não são necessários detalhes para identificar que essa não era uma relação saudável para ela. Havia semanas que ela trazia esse conteúdo.

Após o término, ela se via com medo de reatar a relação ou iniciar uma nova com os mesmos parâmetros da relação ruim que havia terminado. Alguns dos motivos eram:

1) Ela não podia ir a lugar algum sozinha: devido aos problemas que eles haviam enfrentado no passado, qualquer atividade social tinha que ser feita em conjunto ou nenhum deles poderia ir;

2) Ela não tomava decisões sozinha: tudo o que ela fazia passava pelo aval dele, ela não sabia tomar posições sem questioná-lo primeiro, entre outras coisas;

3) Ela não sabia do que gostava: como tudo era avaliado em conjunto e qualquer postura negativa dela era mal avaliada, ela reprimia todas as opiniões, a ponto de não mais reconhecê-las;

4) Tudo era culpa dela: não importava o tipo ou o motivo de um conflito, ao final era observado pelo casal de que a responsabilidade de tudo era dela que não era uma boa namorada.

Apesar de não ser uma relação de abuso clássica, na qual um faz mal deliberadamente a outra pessoa, havia obviamente uma toxidade. Em alguns anos de relacionamento, a paciente havia perdido toda sua individualidade. Ela mal sabia do que gostava sem que ele estivesse envolvido. E isso não acontecia porque ela desejava a presença dele em todos os momentos, mas sim porque se o excluísse de qualquer coisa haveria brigas, discussões e ameaças de término devido ao comportamento reprovável dela.

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Ela estava em terapia há tempo quando isso ocorreu e a questionei sobre o que ela poderia ser agora, sem ele na figura. Não houve resposta. Ela não o amava, não sentia falta dele, não sentia saudade. O que existia era um vazio pela própria ausência.

Minha paciente havia “desaparecido” psicologicamente por anos e agora não sabia quem era. Ela sentia falta de alguém que organizasse sua vida, tomasse as decisões, a tratasse bem. Então eu sugeri: por que essa pessoa não pode ser você? Se foram mais algumas sessões antes que ela tomasse as rédeas da própria vida e percebesse a dor e a delicia (não existe expressão melhor) de ser quem ela queria ser, ela mesmo.

Percebo que esse tipo de relação não acontece só entre casais, mas também entre pais e filhos, amigos, irmãos. Em alguns casos, como esse que abordo hoje, não existe a má intenção ou desejo de causar mal quando uma parte da relação assume controle. Existe a ideia de que aquilo é o melhor, que se está protegendo a pessoa amada, de que ele ou ela não será capaz de fazer as coisas sozinho.

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Existe, e acredito que isso foi o que ocorreu na situação que descrevi acima, que os atos do ex foram pensados com o intuito de ajudar, como uma demonstração de amor. Só que isso causa inúmeros problemas: adultos dependentes, inseguros e até sem conhecimento prático de como tomar conta de suas vidas.

Quando as relações terminam ou são interrompidas por condições adversas, essas pessoas se vem incapazes e em alguns casos, sequer sabem quem são.

Quando se fala de relações saudáveis, é impossível fazê-las sem liberdade e nisso há riscos. O ente amado pode não corresponder às expectativas ou até não ser quem você gostaria que fosse, mas ele é um ser. Se não há liberdade, não há possibilidade de fuga, então como saber se quem amamos está ali por desejo?

Por mais “perigosa” que possa ser a liberdade, ela é o ingrediente único de qualquer relação. Quando alguém é livre é capaz de decidir se deseja ficar ou ir embora e se desejar ficar, que bom.




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