Toda criança já sonhou: não importa se ela nasceu em uma tribo indígena na África do Sul ou num castelo na Dinamarca. Os registros históricos comprovam o interesse pelo assunto desde os primórdios da civilização, através dos desenhos rupestres nas cavernas.

O que mudou ao longo do tempo é como cada cultura encara o misticismo, mas o fato é que carregamos diversas crenças no nosso “inconsciente coletivo”: os milagres de cura, que a medicina não explica; os relatos de aparição de divindades, Ets e seres de outros mundos; os poderes especiais em passagens da bíblia; a caça às bruxas do século XV ao XVIII; as beatificações dos santos da igreja católica; os mitos (de seres superiores, os mitos fundadores – há vários tipos); as lendas folclóricas e as cantigas; as superstições; as palavras sagradas…

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Na primeira infância, a fantasia e a realidade ainda são indissociáveis e, quem convive com crianças pequenas, sabe muito bem como isso funciona. Elas não distinguem quando uma pessoa está fantasiada de Mickey (ou qualquer outro personagem), já que acreditam se tratar do próprio desenho vivo; acham que podem voar; acreditam em objetos encantados…

Eu mesma acreditava que minhas bonecas tinham vida (depois que vi o primeiro filme de Toy Store então, aí mesmo que confirmei toda minha teoria sobre o mundo secreto dos brinquedos haha).

E tudo isso é muito saudável, faz parte do universo encantado da infância e cria, digamos, “um reservatório fantasmático” na memória, ao qual os adultos voltam na esperança de reencontrar com suas “crianças adormecidas”, na esperança de reviver aquela felicidade tão simples, ingênua e pura dos primeiros anos de vida.

Os filmes, desenhos e histórias em quadrinho são essenciais para alimentar a criatividade de crianças e adolescentes que entram nesse mundo mágico com tanta facilidade e tanto prazer.

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Os pais também reforçam tudo isso trazendo os personagens para o cotidiano dos filhos: seja comprando uma fantasia do homem aranha, um jogo de cama do Batman, pratos e talheres do Superman, pijama das tartarugas ninja, bonecos do capitão América, jogos eletrônicos dos vingadores, festas temáticas nos aniversários e tudo mais dessa indústria bilionária do entretenimento.

A identificação com os super heróis introjeta nas crianças alguns valores nobres, como solidariedade, altruísmo, paz… Elas aprendem sobre perigos que podem acontecer também no mundo real; aprendem que os personagens do bem lutam bastante para fazerem as coisas que acreditam serem certas; que o diferencial não está no poder mágico em si, mas na forma com que cada um faz uso dele, já que um mesmo poder pode ser usado para prejudicar ou para salvar pessoas. Enfim, elas costumam aprender muito sobre as relações humanas, sobre a noção de comunidade e sobre a vida em geral.

Mas não é apenas o público infantil que se beneficia dessas estórias. O relicário do pensamento mágico permanece em todas as faixas etárias. Os jovens e adultos gostam tanto da ficção quanto elas, entretanto, obviamente, existem algumas diferenças de comportamentos sobre a vivência das fantasias: as crianças pequenas encarnam os heróis a tal ponto que acreditam fielmente na teatralização e não conseguem distinguir o que não é do mundo real.

Os adolescentes, em geral, idealizam a situação tentando se projetar imaginariamente no lugar de algum personagem (como aconteceu com muitas moças que queriam ser a Bela da trilogia Crepúsculo ou os jovens que desejaram ser Harry Potter).

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Já os adultos transformam toda essa fantasia guardada e desejada por anos em “produtos”: criam novos super heróis, constroem parques de diversões, escrevem livros, fazem filmes, criam objetos “mágicos” (como foi o caso daquela pulseira da nike que dava “força” para quem usava, dos elefantes indianos, da imagem do buda para dar sorte e tantos outros, vendidos até mesmo dentro de igrejas e templos).

As grandes invenções do mundo foram criadas justamente por pessoas que queriam realizar feitos extraordinários, que acreditaram que suas fantasias poderiam ser realizadas; o exemplo clássico é o sonho humano de voar e suas consequentes criações: avião, asa delta, paraglider, helicóptero, paraquedas e wingsuit. Leonardo da Vinci já dizia: tudo aquilo que um homem pode imaginar, outros homens, no futuro, poderão realizar. Walt Disney, adaptou essa frase originária de Da Vince para “se você pode sonhar, você pode realizar”, tirando a ideia de futuro.

Em uma enquete na minha página do facebook, perguntei para meus amigos assim: “Se você pudesse escolher apenas um poder mágico até o resto da sua vida, qual seria?”

Foram mais de 100 respostas bem variadas, muitas bem altruístas: ter o poder da cura, cicatrizar as feridas das pessoas que amam, olhar para alguém e transmitir felicidade, promover a paz, o amor entre todos… Tiveram também respostas mais individuais (e, talvez mais espontâneas), como: nunca ficar doente, comer e não engordar, ter dinheiro para fazer o que quiser, ler o pensamento dos outros, ter paciência sempre, ter sabedoria…

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Mas a grande maioria das respostas teve a ver, justamente, com os sonhos de quando éramos crianças, dos poderes mágicos que víamos nos desenhos e tanto fantasiávamos: voar, ficar invisível, se teletransportar, viajar no tempo (passado e futuro), ser o Batman, ser o Xavier (do X-men), ser imortal…

Uma delícia saber que algumas pessoas não só conservam os sonhos infantis, mas também não têm vergonha de falar deles em público. Ingmar Bergman, grande cineasta e dramaturgo, dizia que: “Os adultos são crianças com fantasias de adultos”. Concordo! Mas também existem os adultos que são adultos com fantasia de crianças. Não existe um jeito certo, uma forma melhor de ser. Mas que seria bom que todos ainda se lembrassem dos seus sonhos infantis e que, de vez em quando, se permitissem voltar a sonhar como uma criança, ah, isso seria!




Psicóloga e mestre em Psicologia Social. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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