Como é bom aquela noite no mês em que a gente se arruma toda, coloca o vestido decotado, a lingerie de renda, o batom carmim, o rímel importado, escolhe um lugar especial para ir jantar com o namorado. Pesquisa com cuidado um restaurante bonito, requintado, que serve comida diferente, cheia de detalhes, um vinho importado, uma sobremesa incrementada.

Uma noite especial pra gente quebrar a rotina, gastar o salário, e sentir agradando a si mesma, como se fosse uma noite de princesa.

E para ser princesa, para viver essa ilusão toda, a gente se esforça, se transforma, a gente cria a atmosfera e espera o melhor de cada momento. Assim a gente valoriza mais a vida.

Mas, sinceramente, numa noite como esta de hoje (e como tantas outras), é bom eu deixar aqui registrado, falar alto, e agradecer ao bendito chinesinho que inventou esse macarrãozinho! Que a minha felicidade de hoje é comer um miojo quentinho debaixo do cobertor.

Ah, o meu miojinho! Ele está ali sempre que eu preciso, pra matar a fome, pra quebrar um galho, pra tapar o meu buraco no estômago. Ele é a resposta mais fácil, acessível, rápida. Vira uma sopa que me conforta o corpo, traz sabor da infância, nem muita louça suja.

Vai bem na frente da TV, combina com a minha calça velha (e mais confortável) de moletom, combina com filme ruim, com cabeça que não quer pensar em nada, com final de domingo.

Ele pode não ser nada requintado, criativo, mas ele sabe me esquentar por dentro.

Ele não liga para o prato, para a mesa, para o talher, para a mulher que segura o bow, ele não se importa se a calcinha é velha, se é madrugada ou meio da tarde. Ele é companheiro, para o que der e vier!

Não precisa de luta, não precisa de jogo de cintura, não precisa de grande investimento de tempo, dinheiro e energia.

Talvez ele não alimente com muitos nutrientes os meus sonhos indecisos. Mas ele sacia a fome do meu corpo e ampara a carência da minha alma.

De vez em quando é bom um jantar de gala. Mas para todos os dias, bom mesmo é o que está bem ali no armário da cozinha. E que minhas mãos não precisam fazer força nenhuma para alcançar!

 




Clara Baccarin é paulista dos interiores, nascida nos anos 80. É escritora, poeta e agitadora cultural. Faz parte do grupo editorial Laranja Original. Publicou, pela editora Chiado, o romance poético Castelos Tropicais (2015) e a coletânea de poemas, pela editora Sempiterno (2016), Instruções para Lavar a Alma. Em 2017 lança, em parceria com músicos e compositores, o álbum Lavar a Alma, que reúne 13 de seus poemas musicados. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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