Carl Jung deu grande importância a análise dos sonhos no processo de psicoterapia, transformando em uma ferramenta essencial no processo de autoconhecimento.

A interpretação dos sonhos é uma ferramenta antiqüíssima utilizada por diversas culturas anteriores a nossa. Os povos primitivos, que possuíam uma mente mais mitológica que a do homem moderno, já notava sinais de que os sonhos eram mensagens. No entanto, eles analisavam os sonhos de forma literal.

A análise dos sonhos em psicoterapia, e da descoberta de algo simbólico por trás das imagens, começou com Sigmund Freud, que em 1900, lançou a obra inovadora chamada A Interpretação dos sonhos, onde ele notou que os sonhos nos mandam mensagens oriundas do inconsciente. Sendo essas mensagens provenientes de materiais reprimidos pela nossa consciência, principalmente de cunho sexual e agressivo. Ou seja, eram desejos secretos que muitas vezes, por repressão da sociedade ou da própria pessoa, não podiam ser realizados.

Para Freud, então, o sonho seria a realização de forma disfarçada de desejos reprimidos.

Com Carl Jung, os sonhos adquiriram uma importância ainda maior e passaram a não se limitar a conteúdos recalcados pela consciência.

Sua definição de sonhos é a seguinte (Jung, 2009):

“O sonho é uma parcela da atividade psíquica involuntária, que possui, precisamente, suficiente consciência para ser reproduzida no estado de vigília. Entre as manifestações psíquicas são talvez os sonhos aquelas que mais nos oferecem dados “irracionais”.

Para Jung, diferentemente de Freud, o sonho é o que é, sem disfarces. O sonho possui um significado intrínseco próprio. Ele é uma força orientadora o ego.

Para a compreensão dos sonhos, é necessário que entender sua origem e que ele possui uma natureza distinta dos produtos da consciência, Jung (2009):

“A razão para a posição excepcional do sonho está na sua maneira especial de se originar: o sonho não é o resultado, como os outros conteúdos da consciência, de uma continuidade claramente discernível, lógica e emocional da experiência, mas o resíduo de uma atividade que se exerce durante o sono. Esta maneira de se originar é suficiente, em si mesma, para isolar o sonho dos demais conteúdos da consciência, e este isolamento é acrescido pelo conteúdo próprio do sonho, que contrasta marcantemente com o pensamento consciente.”

Os sonhos podem trazer imagens, detalhes e acontecimentos que provêm de impressões, pensamentos e estados de espírito do dia ou dos dias precedentes. Mesmo assim, os sonhos ainda possuem uma função de nos guiar para frente, como cita Jung (2009)

“Neste sentido, portanto, existe certa continuidade, embora à primeira vista pareça uma continuidade para trás, mas, quem quer que se interesse vivamente pelo problema dos sonhos, não deixará de notar que os sonhos possuem também — se me permitem a expressão — uma continuidade para frente, pois ocasionalmente os sonhos exercem efeitos notáveis sobre a vida mental consciente, mesmo de pessoas que não podem ser qualificadas de supersticiosas e particularmente anormais.”

Freud possuía uma concepção causal dos sonhos, em que parte de um desejo, de uma aspiração recalcada, se expressa no sonho. Esse desejo é sempre algo de relativamente simples e elementar, mas pode se dissimular sob múltiplos disfarces.

A abordagem causal parte dos elementos do sonho e, através de uma série de associações que estes despertem vai, de elo em elo, até chegar a um desejo reprimido no inconsciente.

Isso não está errado, no entanto, limita a interpretação dos sonhos e o próprio inconsciente a apenas complexos recalcados.

Jung também via os sonhos com uma finalidade, onde cada imagem onírica possui o seu valor próprio. E isso traz uma diversidade de expressões simbólicas.

Para Jung, então, a conjugação dos dois pontos de vista: causal e finalista — que ainda não foram desenvolvidos de maneira cientificamente satisfatória, em virtude de enormes dificuldades tanto teóricas como práticas — nos pode levar a uma compreensão mais completa da natureza do sonho (Jung, 2009).

Os sonhos então são, além de importante fonte de informação, um instrumento altamente educativo, pois mostram de forma espontânea e simbólica a situação atual do inconsciente e para onde ele pode encaminhar a consciência.

Além disso, os sonhos falam a linguagem do inconsciente, ou seja, utiliza uma linguagem simbólica, o que torna difícil para a consciência, com sua linguagem linear, interpretá-los sem ajuda.

Os sonhos carecem de lógica, tem uma moral duvidosa às vezes, apresenta alguns absurdos e conta-sensos, por essa razão ainda é desprezado pelo homem moderno pautado na lógica.

Segundo Jung, os personagens que surgem no sonho, as situações representadas, referem-se de fato à realidade objetiva. Isso acontece geralmente quando as pessoas com as quais se sonha são conhecidos: sejam íntimos ou que desempenham papel atual na vida do sonhador. Mas se os figurantes do sonho são desconhecidos, ou mesmo quando conhecidos, mas que não mantém estreitas relações, no presente com o sonhador, então adquirem significação peculiar: representam fatores autônomos da própria psique do sonhador, como sombra, anima e animus (Silveira, 1981).

Com a descoberta do inconsciente coletivo e dos arquétipos, Carl Jung percebeu que os sonhos podem trazer muito material mitológico. Como diz Joseph Campbell em O Poder do Mito: os mitos são sonhos públicos; os sonhos são mitos privados.

Entre as principais funções dos sonhos temos: a economia psíquica e orgânica. Neurofisiologistas modernos, na base de experiências, chegaram à conclusão de que não sonhar é mais prejudicial que não dormir (Silveira, 1981).

Mas a função mais importante em termos psicológicos é a de compensação. Para Jung, os sonhos funcionam principalmente como auto-reguladores de posições conscientes demasiado unilaterais ou até antinaturais. Essa compensação Poe inclusive antecipar uma realização consciente.

Sobre isso Silveira (1981) cita:

“Sempre que a atitude consciente extrema-se, seja no sentido de extroversão ou de introversão que saia fora dos ritmos peculiares ao tipo psicológico do indivíduo, ou quando uma das funções de orientação do consciente (pensamento, sentimento, sensação, intuição) torna-se demasiado hipertrofiada em detrimento das demais; sempre que o indivíduo supervaloriza ou, ao contrário, subestima a si próprio ou a outrem; sempre que necessidades especificas a cada um são negligenciadas, surgem sonhos compensadores indicando que a psique funciona como um sistema auto-regulador.”

Por essa razão deve-se conhecer a situação consciente do sonhador.

A função de compensação dos sonhos pode então negar, criticar, confirmar ou modificar uma atitude consciente.

Além da função compensadora, outra função importante do sonho é a função prospectiva.

Ou seja, em alguns casos, ele pode trazer uma antecipação do futuro, inclusive também como forma de correção ou confirmação da atitude consciente.

Jung também cita o sonho reativo, onde acontecimentos traumáticos são revividos no sonho, tais como violentos choques de guerra, incêndios, inundações, acidentes, perdas de pessoas queridas.

Esses sonhos tem como função a repetição constante de forma a levar o estimulo traumático a se desgastar.

Jung também classificava os sonhos em grandes e pequenos.

Os pequenos sonhos se referem aos acontecimentos do dia a dia e a problemas ordinários.

Os grandes sonhos são aqueles carregados de significações profundas, seja de caráter individual ou coletivo, sonhos que perturbam, infundem medo ou exaltam. São carregados de imagens arquetípicas e mudam completamente o direcionamento da atitude corriqueira. É comum no inicio da análise o paciente ter um grande sonho, que marca o inicio do seu processo.

Por vezes nossos sonhos podem nos mostrar nossos desejos ou nossos traumas, mas se analisarmos a fundo eles nos dizem coisas que não queremos ver nem ouvir. Por isso sua analise não é fácil.

A análise dos deve ser feita com seriedade, pois eles constituem as melhores fontes de informação sobre as etapas em que o sonhador se encontra em seu processo de individuação.

Portanto, se empenhar em compreender seu simbolismo pode ampliar nossa maneira de encarar nossa própria vida e o mundo. Todo aquele que trilha o caminho do autoconhecimento deve saber que o sonho é a base do desenvolvimento da personalidade. Seu significado nos faz encontrar o sentido mais profundo de nossa existência, dando sentido a ela.

Referência bibliográfica:

JUNG, C. G. A Natureza da Psique. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

SILVEIRA, N. Jung: vida e obra – 7- ed.– Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.

 

 




Hellen Reis Mourão é analista Junguiana e especialista em Mitologia e Contos de Fadas. Atua como psicoterapeuta, professora e palestrante de Psicologia Analítica em SP e RJ. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

1 COMENTÁRIO

  1. Apresentei meu TCC semana passada e o tema foi ” Os sonhos na perspectiva de Carl Gustav Jung” uma revisão bibliog´rafica das 34 obras dele, coincidência esse artigo hoje na minha time line, muito bem escrito, parabéns!

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