O chamado “jogo da baleia azul” é um fenômeno contraditório quando pensamos que um jogo deveria ser relacionado única e exclusivamente com momentos de entretenimentos e\ou pedagógicos, algo muito distante do referido “jogo da baleia azul”, que é composto por regras destrutivas, autopunitivas, que estimula a automutilação e pode culminar no suicídio, que é a última regra do “jogo”.

Tais práticas podem ser compreendias como um pedido de ajuda por parte dos adolescentes.

São comportamentos que desvelam que algo na relação entre o jovem e sua família, seus amigos ou conhecidos não está se desenvolvendo da maneira como o esperado.

Alguns fatores sociais podem contribuir, como a presença de relacionamentos abusivos, bullying, homofobia, machismo, agressão física ou psicológica. Nesse contexto, o adolescente, naturalmente imaturo emocionalmente, pode acabar encontrando na prática da automutilação e demais comportamentos destrutivos um modelo para se identificar e indiretamente clamar por socorro.

Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o comportamento suicida é mais frequente em pessoas que possuem algum quadro de transtorno mental, como depressão e transtorno de personalidade, ou seja, quadros com características antissociais, impulsivas, agressivas, frequente alteração de humor, abuso de substâncias psicoativas como álcool e outros drogas.

Entretanto, algumas pessoas aparentemente saudáveis também podem passar por quadros deprimidos sem que ninguém perceba, por esse motivo é pertinente que os pais e professores fiquem atentos aos indicativos de sofrimento em seus filhos e alunos, até mesmo os mais “quietinhos”, pois o modo de pedir ajuda nem sempre é a autodestruição, o que torna a questão complexa e demonstra a necessidade de apoio e avaliação profissional.

Afinal, o que pode ser feito para evitar que os jovens entrem neste tipo de “jogo”?

A prevenção sempre é a melhor maneira para evitar adoecimentos e essa é uma tarefa que intima ações além das possibilidades familiares.

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A família, assim como a escola, o Estado, a religião e a mídia precisam investir em diálogos reflexivos com ênfase na experiência dos adolescentes, abordando temas como o suicídio e também bullying, machismo e homofobia que muitas vezes são reproduzidos no cotidiano de forma desenfreada, naturalizado na sociedade quando na verdade deveriam ser fortemente repudiados, pois causam sofrimento.

Um dos aspectos principais para a saúde mental é a oportunidade para a criação de vínculos duradouros de confiança, amizade, amor e reconhecimento. A impossibilidade de construir relacionamentos férteis ao cuidado, afeto e confiança, pode levar a pessoa a perder as esperanças de viver.

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Neste sentido, é aconselhado que os responsáveis pelo adolescente incentivem-no em amizades construtivas, vínculos saudáveis, perceba suas necessidades humanas e acima de tudo estejam disponíveis para acolher e conversar com ele, deixando sempre a porta do diálogo aberta.

Ainda segundo a OMS, a melhor maneira de descobrir se uma pessoa tem pensamentos suicidas é dialogando abertamente sobre o assunto e perguntando para ela. Desse mesmo modo, os pais devem ter a iniciativa e liberdade para conversar com seus filhos, inclusive acerca da existência do “jogo da baleia azul”.

Ao contrário da crença popular, falar a respeito do suicídio ou da autoagressão não coloca a “ideia na cabeça dos jovens”. Entretanto a conversa não deve obter um tom pejorativo ou repreensivo, mas oferecer a possibilidade de diálogos francos e esclarecedores, tendo a verdade e confiança como premissa fundamental.

Além de conversar é preciso permanecer alerta aos sinais de que o adolescente não está bem, observar seu comportamento com os amigos, na escola, na própria família. Atentar-se para quais jogos, filmes e séries o jovem costuma consumir, mas acima de tudo potencializar o diálogo e os vínculos saudáveis em todos os aspectos da vida do adolescente.

A ajuda profissional também é sempre um caminho recomendado, se houver qualquer dúvida em relação de como proceder é interessante procurar profissionais da saúde mental como psicólogos e psiquiatras para que possa ser avaliado e pensado cientificamente quais as melhores intervenções para o quadro específico.

Os sinais

A maior parte das pessoas deixam mensagens, mesmo que indiretas, avisando sua intenção autodestrutiva e/ou suicida.

No próprio jogo da “baleia azul” existem etapas em que os adolescentes devem escrever em suas redes sociais, como o Facebook, frases como “#I_am_whale” ou “eu sou uma baleia”, ou ainda cortar o braço, a palma da mão, a perna ou os lábios no formato de expressões como “F57” ou “Sim”, ou a figura de uma baleia ou simplesmente cortar-se com “3 cortes grandes”.

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Outra prática proposta pelo jogo é assistir filmes de terror durante as madrugadas, aproximadamente às 4 horas

da manhã. É preciso permanecer em alerta para tais mensagens, principalmente no momento como o que vivemos.

Além das características do “jogo”, sintomas como a falta de amizades significativas, ansiedade, depressão, agressividade, abuso de substâncias psicoativas, automutilação, queda do desempenho escolar, comportamento antissocial e falta de limites, são alguns indícios de que algo pode não estar bem. Entretanto, a questão é complexa, pois os sintomas podem variar muito de um adolescente para outro, o que demanda de séria avaliação profissional para um diagnóstico preciso.

O limite entre a privacidade, superproteção e negligência

É correto oferecer a oportunidade para que o adolescente construa sua identidade e sua vida com privacidade, entretanto é preciso perceber o limite entre a privacidade cuidadosa, a superproteção e a negligência.

Privacidade cuidadosa é deixar o filho crescer observando atentamente seus passos; superproteção é sufocar, impossibilitando o crescimento do filho, desconfiando de sua potencialidade e capacidade de desenvolvimento saudável; a negligência é o abandono da responsabilidade pelo filho, o que pode despertar o sentimento de desdenho, é ausentar-se em momentos em que o apoio emocional e o conhecimento afetuoso dos pais poderiam fazer a diferença ao desenvolvimento do jovem em um adulto íntegro, ético e humano.

A privacidade cuidadosa oferece oportunidade para o crescimento saudável, a superproteção e principalmente a negligência podem ser danosas ao desenvolvimento.

O limite ou a falta dele, nesse sentido, é elemento fundamental que dosará a privacidade para que ela não seja nem abusiva, tampouco negligente. Limitar de modo saudável é demonstrar para o jovem até onde ele pode ir. Isso traz segurança ao adolescente e o deixa confortável para investigar o mundo de modo construtivo e não destrutivo.

O limite, entretanto, não é uma regra autoritária, mas algo que deve ser conversado e explicado ao adolescente. O adulto tem conhecimento prático do viver que o adolescente ainda não possui e neste sentido, o adolescente depende de um adulto para lhe orientar e mesmo que o jovem demonstre não gostar dos limites, certamente, ainda que inconscientemente, ele sabe da importância do limite e até mesmo busca esse limite ao transgredir.

“Baleia azul” é um sintoma, não a causa

As instituições de um modo geral, não apenas a escola ou a família, mas também a mídia, o governo e a religião, precisam cumprir a função social de oferecer reflexões pertinentes aos problemas vividos na sociedade atual. Negar o problema sempre é um caminho de insucesso.

Diferente disso é preciso enfrentar a realidade perversa na qual vivemos. Temas como o bullyng, machismo, homofobia, suicídio, gravidez na adolescência, relacionamentos abusivos, relacionamentos afetivo-sexuais, doenças sexualmente transmissíveis, drogas, etc., precisam adentrar os muros institucionais.

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O fenômeno da “baleia azul” é um sintoma de uma sociedade doente, que desdenha a importância dos relacionamentos humanos. Já passou da hora de se investir em saúde mental e educação sexual, afetiva e emocional em todos os níveis do ensino formal e informal, público ou privado.

Esse é um desafio contemporâneo que obtém no sintomático “jogo da baleia azul”, assim como em outros jogos suicidas ou comportamentos destrutivos, a oportunidade para sair do silenciamento e partir para a ação séria e comprometida com a vida.




Psicólogo clínico de orientação psicanalítica, atendendo em Itápolis-SP e Ribeirão Preto-SP. Graduado pela PUC (2014). Mestre pela UNESP (2017). Pesquisador membro do grupo de pesquisa SexualidadeVida USP\CNPq. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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