Certas metáforas não deveriam sair de moda. Quando eu era criança, ainda se usava a expressão roubar o coração como sinônimo de seduzir e conquistar. Hoje em dia ninguém mais fala assim. A linguagem foi empobrecendo e com ela a nossa capacidade de exprimir sentimentos importantes.

A imagem do coração roubado parece apenas um clichê, mas ela captura o que há de essencial, involuntário e perigoso no ato de amar. Alguém que rouba o seu coração toma o controle dos seus sentimentos, tira você violentamente de si mesmo, carrega a sua alma com ele ou com ela. De forma muito clara, o tem nas mãos.

Isso não é algo a que a gente se entregue sem opor resistência.

Ser sequestrado emocionalmente pelo amor é coisa assustadora. A gente perde o controle e se torna dependente do outro de uma forma visceral. O que ele pensa, o que ele diz, a forma como nos olha, o dom da sua presença, que pode ser retirado a qualquer momento. Diante dessa ameaça à nossa integridade psíquica, o pedaço sóbrio e racional de nossa mente se encolhe apavorado. Ele antevê desastre, tombo, quebradura. Ter o coração roubado sempre nos traz um medo enorme. Por isso fugimos do sentimento e da situação, mesmo sem perceber.

Temos com o amor uma relação muito mais ambígua do que parece. Publicamente, todo mundo o deseja e procura. Intimamente, a conversa é outra. Temos dúvidas imensas. Entre um sentimento tranquilo que não parece amor e algo assustador que talvez seja, muitas vezes ficamos com o primeiro. Somos românticos de meia pataca. Não achamos que o sofrimento é sublime. Os românticos do século XVIII estavam dispostos a morrer pelo que sentiam. Achavam lindo. Nós também, nos filmes. Na vida real, queremos estar dispostos na manhã de segunda-feira para correr e trabalhar. Somos gente prática.

Um outro jeito de lidar com nossos medos é fingir que não estamos diante do amor. A moça está lá com o Fulano, louco por ela, numa relação bacana, intensa, mas não está segura sobre o que sente. Isso é muito comum. Como ela se atrapalha com os sentimentos, acha que nem gosta muito do Fulano. Tem fantasias constantes com outras situações, outras vidas, outros homens. Até o momento em que o Fulano, cansado da ambiguidade, arruma a trouxa e vai embora. Aí a confusão desaparece e ela descobre que ama da pior maneira possível: cai no sofrimento atroz do abandono, que provavelmente tentava evitar desde o início, por medo.

Esse é um desastre comum, um engano recorrente que acomete os homens com frequência ainda maior. Nós sempre achamos que a vida boa está lá fora. Faz parte da nossa cultura. Esse pensamento nos afasta dos sentimentos do presente e nos mantêm enclausurados numa fantasia indefinida de futuro. Quando desperta desse sonho pueril, o sujeito percebe que perdeu a mulher. Ela se desiludiu e foi embora. Então ele descobre que amava, mas é tarde. A mulher desiludida se torna inalcançável.

Sempre que alguém escreve este tipo de coisa, um outro alguém lerá da forma errada. Pensará naquele sujeito ou naquela mulher que não quer nada com ele ou com ela e concluirá, erroneamente: “Ah, está com medo de admitir que me ama. Está fugindo do que sente por mim”. Bobagem. Quem foge, evita, não volta, não liga e não dá atenção é porque está desinteressado. A confusão de que eu falo aqui acontece no interior de relações verdadeiras. Alguém, por alguma razão misteriosa para si mesmo, tenta não se vincular profundamente. Tem medo. Mas isso acontece depois do envolvimento, depois da atração e provavelmente pela intensidade da atração. Não é gente que transou um par de vezes e não quer mais atender o telefone. Isso é só desencontro e falta de educação.

O medo de amar é coisa mais séria e sutil. Talvez devêssemos procurar por ele em nós mesmos e nas pessoas com quem nos envolvemos. Sempre me lembro de um amigo que tinha uma namorada mas achava que não tinha. A moça estava lá o tempo inteiro, como parte da vida dele, mas ele insistia que aquilo não era sério. Quando a moça se desencantou e partiu, o mundo do cara veio abaixo. Claro. Ele estava apaixonado, mas, por alguma razão, queria imaginar que não era o caso. Quando o comportamento evasivo é recorrente, quando histórias como essa se repetem, talvez tenhamos medo de amar. Ou talvez estejamos lidando com uma pessoa que tem. O que se chama por aí de dedo podre pode ser apenas uma predileção inconsciente por gente incapaz de se entregar aos sentimentos.

Eu gosto da ideia de ter o coração roubado, mas percebo que já fui mais corajoso quanto a isso. Com o passar do tempo e o acúmulo de desilusões – quem não as tem? – a pessoa se torna mais cuidadosa. Sinto que hoje eu me protejo mais do que fazia no passado, e talvez haja nisso alguma sabedoria. Não se deve permitir que qualquer um nos roube o coração. Alguém que nos terá emocionalmente de joelhos deve ser digno desse privilégio. Que seja uma pessoa íntegra e generosa, ao menos. Que seja ela mesma capaz de amar. Quem nos rouba o coração não deveria ter o seu protegido à sete chaves. Acontece, mas náo é justo.

 

(Autor: Ivan Martins)




A busca da homeostase através da psicanálise e suas respostas através do amor ao próximo.

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