Quando eu te deixei, imaginei que a continuação da minha vida seria bem triste.

Era necessário te deixar mesmo? Não, não podia ser verdade.

Éramos um encaixe perfeito de tudo que era verdade. A nossa verdade pro resto do mundo. Uma sincronia singular. E, sem você, dali pra frente tudo seria incompleto, diferente. Talvez eu até inventasse uma razão do que é ser feliz sozinha só pra convencer a mim e aos outros de que tá tudo bem.

De qualquer forma, era sim, necessário te deixar.

Eu te deixei pelas mentiras bonitas, pelo vício em sempre contar o que eu queria ouvir. Pela ausência em demonstrar afetos e pelo excesso de desinteresse em tentar demonstrar também.

Eu te deixei por não aguentar a roda gigante de uma relação que se estendia ano após ano, girando em torno de costume e não de sentimento. Enxergávamos a olho nu o que estava errado e, ainda assim, escancarado em nossas fuças, não procurávamos consertar o que ainda poderia estar em tempo.

Tarde demais. Já estávamos acostumados. No piloto automático. E eu tive que ir embora.

Quando eu te deixei, senti medo. Muito medo. Foi como ser uma criança perdida, sem um guia, uma voz, alguém que me alertasse sobre os perigos que eu podia correr sem você por perto.

Eu queria pagar pra ver o nosso final feliz. Tentei, insistentemente, negar o que a minha mente dizia sobre nós todo dia. E eu concordava com o meu coração, toda vez que ele me dizia que tínhamos tudo pra dar certo. “Só um pouco mais de tempo e paciência que tudo volta a ser como antes”. Bem antes de todo esse comodismo e um amor inventado.

Peço desculpas ao meu coração, vou dar voz a razão. Foi sim necessário te deixar.

Eu te deixei por me sentir uma fracassada em cada tentativa frustrada de te convencer que juntos éramos melhores, mais fortes e mais um infinito de coisas bonitas. Por esquecer de mim, toda vez que eu cuidava de nós. Por achar que meu sorriso era o seu sorriso favorito no mundo. E não era. Nunca foi.

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Eu te deixei por não aguentar o peso da culpa por ter adiado o nosso fim, prolongado nas reticências, em centenas de vírgulas. Poderia ter sido mais simples e fácil, era só colocar um ponto final.

Amor torto que rodopia a mente, balança o corpo, enfraquece a alma e sufoca o coração.

Eu fui embora. Chorei um choro inaudível, solucei baixinho em murmúrios disfarçados de bocejos. Eu sofri e passei por tudo o que eu precisava passar. Me desmontei inteira. Senti sua falta, senti vontade de correr e te abraçar, senti um desejo inexplicável de você.

Era estranho terminar o dia sem você me perguntando se eu estava bem. E mais ainda começar o dia sem você abrindo a janela me forçando a sair da cama. Não tinha mais café na mesa, não tinha mais latidos dos meus cachorros, não tinha guardanapos sujos espalhados. O seu lado do sofá estava vazio.

Por um instante, eu olhei pra mim mesma com tanta sinceridade que era incapaz de eu me enganar. Eu estou bem. Eu não preciso mais me corroer com dúvidas irracionais. Eu não me torturo por insistir em mil possibilidades surreais. O que um dia eu senti tanta falta, se esvai cada vez que penso que poderia ter sido de outro jeito. Que eu poderia ter outro final.

O medo passou. A tristeza também. Sou recheada até a borda do que me faz bem. Do que me faz leve. Do que me faz completa. E eu que pensava que era necessário seguir o roteiro do casal feliz para seguir a vida sem desviar do caminho em linha reta, que ironia.

A vida é realmente sobre chegar onde se quer em linhas tortas. Sobre partir e ver partir. Sobre cair e levantar. Sobre apanhar severamente, sentir dores inflamáveis e aprender o que não nos ensinam na escola. Sobre cair em armadilhas propositais do destino. Sobre escolher o errado fazendo o certo. E vice-versa.

Pare, pare de me procurar e tentar dizer o que não dá mais tempo. Nada foi sua culpa e nem minha. Amor sempre vira desamor. Vivenciado ou não. Compreendido ou não. O fim tem sua hora. Chegou a nossa. Então, por favor. Pare de me procurar arrependido. Você só está perdido, eu também estava e me encontrei.

Encontrei lugares novos, pessoas novas, abraços longos e apertados, risadas estranhas que viciam, cervejas amargas que me deixam mais tonta do que já sou. Encontrei olhares iluminados. Motivos. Continuações doces. O novo. O recomeço.

Não vai demorar muito e logo terá um ombro pra encostar, uma mão pra segurar, um olhar pra se encantar, um sorriso pra alegrar seu dia, uma janela pra abrir, uma primavera pra te florescer…

Em breve, você não terá que se esforçar pra não pensar em mim. Naturalmente, não pensará mais. E vai sorrir de canto e se convencer de que eu estava certa o tempo todo: amores foram feitos para acabar e guardar… no coração.

Nosso final feliz depende sempre da gente. Nunca do outro. Portanto, te deixo aqui. Nesta linha. Finalizo dizendo que você foi metade do que nunca me completou. E que a parte que faltava para ser completa estava comigo o tempo inteiro.




Ela ama comer. Tem medo de apontar para uma estrela no céu e acordar com uma verruga no dedo. E também ama comer. Acredita que troca de olhares, às vezes, são mais bem dados que beijos de cinema. Não confia em pessoas que não gostam de animais. E ama comer. Tem medo do escuro e acha normal falar sozinha. Vive no mundo da lua e adora comer por lá também. É sagitariana, paulista, teimosa, devoradora de filmes, gulosa por livros e por comida também. Mas acha tolice tudo acabar em pizza, porque com ela, acaba em texto. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

1 COMENTÁRIO

  1. “Amor sempre vira desamor”, “amores foram feitos para acaba…” Ideias falsas, e desconfio que a autora, no fundo, sabe disso. Exemplos não faltam por aí, de amores verdadeiros (mesmo” que, sim, duram a vida inteira. Obviamente, relacionamentos desgastados e baseados apenas no comodismo devem ser terminados. Mas essa crença contemporânea de que qualquer relacionamento está fadada ao fracasso me parece uma forma covarde de encarar o amor, já criando um clima de “vou sair antes que o outro pule fora”. Felizmente, sei que grande parte das pessoas não cai nessas filosofias “descoladinhas” e sem base na realidade. Por fim, a frase “Nada foi sua culpa e nem minha” é bem sintomática de uma geração que não gosta de assumir responsabilidade por seus erros e escolhas.

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