Alguns dados apontam que nos últimos anos os casos de Déficit de Atenção triplicaram entre nossas crianças. Eu estou entre uma dessas crianças. Com uns treze anos comecei a tomar um remédio com tarja preta chamado Ritalina que, pra mim, de fato fazia uma diferença enorme.

Quando eu era criança fui chamada várias vezes de hiperativa, desconcentrada. Meus professores adoravam falar como eu me dispersava rápido. Engraçado, continuo assim, mas hoje tento usar isso ao meu favor.

Tomava antes de ir para escola com o intuito de ficar ligada na aula. Nunca fui boa em matemática, física, química, mas me esforçava o bastante pra não ficar de recuperação. Lembro que eu achava que o remédio fazia uma diferença significativa na hora de fazer uma prova. Eu realmente me transformava, durante 8 horas, em uma pessoa mais focada. O déficit de atenção é mais comum do que se imagina.

Assim que entrei na faculdade resolvi largar o remédio. Fui percebendo, ao longo dos anos, que eu não precisava dele para escrever uma boa redação, ou pra ler um livro que eu gostava, nem pra fazer prova de história. Não precisei do remédio para decorar um dos meus primeiros textos de teatro. Eu nem tomava o remédio pra ir à aula de teatro e eu era uma pessoa igualmente focada nessas aulas.

Foi aí que minha mãe resolveu perguntar à minha médica por que eu conseguia me concentrar tanto nas coisas que eu gostava de fazer. Ela disse que isso era normal. Nas áreas que eu tinha mais habilidade, os sintomas não apareciam de modo que me atrapalhasse.

Que doença engraçada, né? Mal do século, eu diria. A nossa sociedade está criando doenças para quem estiver fora do padrão de comportamento esperado.

Então, vi que o problema não estava em mim e nem na maioria das crianças que precisa tomar um remédio para entrar num padrão social. O problema está no nosso ensino totalmente precário, que se preocupa mais se o aluno vai passar no vestibular do que se ele será um bom cidadão.

Estudei minha vida toda numa escola diferente, que se importava com a cabeça dos seus alunos e valorizava o que eles tinham de melhor, incentivando a arte, o esporte e a ciência. Lembro que as notas eram divididas em 40% de provas e os outros 60% eram de comportamento. Se você soubesse lidar bem com um grupo, participasse da aula, fosse educado e responsável, já era o suficiente pra passar de ano. E ninguém deixava de estudar, afinal queríamos ter notas boas.

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Depois, fui pra uma escola que tinham tantos alunos que os professores não conseguiam gravar os nomes. Nunca mais falamos em preconceito ou direitos humanos. Nunca mais falamos sobre ler livros sem ser por obrigação. Depois, mais tarde, os professores reclamavam que líamos pouco. Mas como, se tínhamos tão pouco incentivo?

Lembro que na minha outra escola ganhei gosto pela leitura quando eu ainda era bem pequena. Devorava livros e mais livros, afinal a gente tinha uma aula só de leitura.

Me mudei para essa nova escola porque eu precisava passar no vestibular, mas eu não via sentido nenhum em nada daquilo. Fui me sentindo cada vez mais idiota porque eu não conseguia ir bem em nenhuma matéria de exatas, mas falaram que pra passar no vestibular era preciso saber mais exatas do que humanas.

Aumentei a dose do remédio Ritalina pra poder ficar pelo menos na média. Fico pensando quantas crianças vão ter que se sentir burras e diferentes e tomar um remédio tarja preta pra ficar na média na escola, pra ficar na média na vida, pra ser sempre medíocre porque a educação não nos dá a oportunidade de sermos brilhantes.

No ensino médio os adolescentes são constantemente comparados, como em uma empresa, para que haja desde cedo um espírito de competição. Infelizmente essa competição é completamente injusta, pois as pessoas têm habilidades diferentes.

Como já disse Albert Einstein “Todo mundo é um gênio, mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em árvores, ele passará sua vida inteira acreditando ser estúpido” e é exatamente isso que nosso ensino faz.

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A qualidade de uma escola é medida pelo número de aprovações que seus alunos têm no vestibular e não pela pessoa que ela está formando para o mundo. Como queremos ter profissionais mais dedicados se desde pequenos somos ensinados que se importar com o outro não é o que importa, mas sim ser sempre melhor que todo mundo?

Infelizmente, nossa educação forma pessoas cada vez mais quadradas, que pensam dentro de uma caixinha. Não se permitem ir atrás das informações e nem na melhor forma de resolver problemas. Não nos dão oportunidade de sermos realmente quem queremos ser e crescemos adultos chatos, controladores e depressivos.

Nosso comportamento é resultado da educação que tivemos e isso só vai mudar quando todas as áreas foram igualmente valorizadas nas escolas e entre os alunos. Cada vez teremos mais crianças com déficit de atenção. Principalmente agora com a tecnologia, que todas elas podem ter acesso rápido a tudo. Por que elas ficariam prestando atenção em uma aula chata? Por que elas ficariam prestando atenção em algo que elas podem aprender em um segundo procurando no Google?

O nosso sistema educacional precisa mudar rapidamente, pois não podemos achar que o ensino pode continuar o mesmo de 20 anos atrás, onde não existia tanta informação com facilidade.

As crianças estão perdendo o interesse na escola. Elas estão vendo o mundo de possibilidades que existe ao redor delas, vendo tudo que elas podem criar e transformar e os colégios continuam insistindo naquele velho formato.

Todas as pessoas têm uma genialidade, mas o mundo insiste, por algum motivo que sejamos medíocres, dentro de um padrão. Não valorizam o aluno bagunceiro, nem o que vive no mundo da lua. Esses que no futuro provavelmente serão os adultos mais criativos. A nossa educação mata a nossa criatividade.

A boa notícia é que já foram inauguradas escolas com uma proposta totalmente diferente de ensino, onde as matérias são complementares, como se fosse uma só. Os alunos também não são separados por turmas de acordo com a idade, mas sim por habilidades que os alunos apresentam.

Espero que esse realmente seja o futuro do nosso ensino e que não criemos mais doenças para fazer as crianças se sentirem anormais. “Somos todos folhas da mesma árvore”, esse era o lema da minha primeira escola. Ainda bem que aprendi assim.




Talvez eu seja todas as palavras que eu já escrevi. Talvez eu seja todos os personagens que eu já criei e vivi. Acho difícil falar de mim, já que, quem eu sou agora, já é diferente de quem eu era um minuto atrás. Colunista do site Fãs da Psicanálise.

3 COMENTÁRIOS

  1. Bom dia,

    É claro que em todo diagnóstico há abusos, profissionais despreparados e pressão por resultados de ambos os lados. Mas textos destes tipo só prejudicam quem realmente precisa de tratamento.
    Digo isso como portadora e mãe de um TDAH, hoje com 17 anos. Desde muito cedo ele apresentou os sintomas, mas a escola sempre patologizou o meu comportamento e de minha família e nunca encaminhou para adequada avaliação. Com 8 anos ele passou por avaliação na UNICAMP e está em tratamento desde então, chegando a esta idade sem comorbidades – diferente de mim. E conversando com tantas outras mães desde a época do ORkut, o filme é praticamente o mesmo
    Então mais acolhida e mais empatia, e menos julgamento por favor. Já sofremos demais com quem deveria avaliar, acolher e encaminhar – a escola. Porque para ser pai basta uma predisposição biológica; para ser educador e profissional de saúde, é preciso longos anos de estudo e especialização

  2. Primeiro você me azucrina, me entorta a cabeça
    Me bota na boca um gosto amargo de fel
    Depois vem chorando desculpas, assim meio pedindo
    Querendo ganhar um bocado de mel
    Não vê que então eu me rasgo
    Engasgo, engulo, reflito, estendo a mão
    E assim nossa vida é um rio secando
    As pedras cortando, e eu vou perguntando: até quando?
    São tantas coisinhas miúdas, roendo, comendo
    Arrasando aos poucos o nosso ideal
    São frases perdidas num mundo de gritos e gestos

    Num jogo de culpa que faz tanto mal
    Não quero a razão pois eu sei o quanto estou errada
    O quanto já fiz destruir
    Só sinto no ar o momento em que o copo está cheio
    E que já não dá mais pra engolir

    * Veja bem, nosso caso é uma porta entreaberta
    Eu busquei a palavra mais certa
    Vê se entende o meu grito de alerta
    Veja bem, é o amor agitando meu coração
    Há um lado carente dizendo que sim
    E essa vida da gente gritando que não

  3. Marcela, adorei seu texto! Concordo com seu ponto de vista. Vivemos num mundo sem foco ou com distratores demais. Vejo crianças criadas sem atenção e por isso não aprendem a ter centramento. Vejo medicamentos demais e parcerias de menos. Vejo muitas crianças sofrendo de falhas de Processamento Central diagnostica com TDAH. Não estou com isso negando que ele exista de fato, mas não na proporção que se encontra hoje. Também acredito que temos escolas do século XIX trabalhando com crianças do século XXI. É com esse descompasso que temos que nos preocupar e entender que se hoje não andamos num carro Ford modelo 1919 é por a ciência avançou. O protótipo do carro evoluiu. Por que a escola ainda continua a mesma? Será que o homem desse século capaz de tantas criações continua o mesmo?

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