Inicio este texto me utilizando de uma frase da música “Minha Alma”, da banda “O Rappa”: Paz sem voz não é paz, é medo.

Vamos refletir sobre a ideia contida nela? Vemos em telejornais, em redes sociais e no cotidiano das grandes cidades da atualidade, uma facilidade muito grande de as pessoas “explodirem”.

Com muita facilidade se vê um motorista saltar do carro para tirar satisfações com outro que o desagradou em seu comportamento. Com mais facilidade ainda, muitas pessoas se utilizam da praticidade e da distância possibilitada pelo contato virtual para despejar sobre o outro um festival de ofensas levianas, em uma suposta discussão de ideias.

Isso tudo assusta. Tanto assusta que muitas pessoas acabam por reagir de uma forma a se limitar na própria expressão. É quando surge uma cultura de falsa paz.

Não é incomum que, diante de pais agressivos, os filhos adotem um comportamento mais retraído, por medo de punições e repreensões diversas. É uma maneira de se defender, em uma situação em que a criança não encontra outra saída.

Mas o tempo passa, as crianças que assim viveram crescem, adquirem recursos intelectuais, físicos e até financeiros para poder aprender a lidar com a agressividade dos pais. Entretanto, para muitas pessoas, essa dificuldade de lidar com o que agride permanece, fazendo a pessoa tender a se retrair.

O comportamento retraído só mostra, assim, que se trata de algo inadequado. Não faz sentido, objetivamente, uma pessoa se esconder de seu pai, por exemplo, quando ela tem como discutir de igual para igual com ele, ou quando tem independência financeira. Da mesma forma, não faz sentido, objetivamente, uma pessoa não reclamar um direito porque uma atendente foi agressiva, por exemplo.

Não digo que na infância está a causa desse tipo de atitude, longe disso. Não tenho a pretensão de defender tais regras ou criar uma teoria. É apenas uma forma de mostrar uma possível correspondência, e a partir dela possibilitar uma melhor observação e auto-observação diante de tempos de falsa paz.

Vivemos momentos em que muita gente fala de espiritualidade e de pacificação sem sabedoria. Em que pessoas deixam de enfrentar questões, das menos importantes as mais relevantes, com a desculpa de que preferem estar em paz, ou buscá-la.

Muitas pessoas assim tentam se isentar de responsabilidades básicas da existência (buscar independência financeira, ética e intelectual) e até mesmo da necessidade de responder pelas próprias escolhas. Por exemplo, se eventualmente ofendeu alguém, uma pessoa perdida nessa falsa paz prefere orar pelo outro, meditar, ou ler um livro do que ir e falar com a pessoa “poxa, Fulano, me desculpa, eu me equivoquei”.

Não que seja sempre essa a solução para esse tipo de situação – porque às vezes não tem como mesmo – mas a opção que envolve um enfrentamento integral e frontal da questão nem é pensada, porque é preferível estar no meu canto, “em paz”.

Por acaso você se reconheceu em alguma situação semelhante?

Leia mais em:Mudança de comportamento repentina: o que pode significar?

Esse tipo de pensamento apequena o homem, diminui a existência e nossa capacidade de expansão e permanente construção da mesma.

Como é mais libertador para uma pessoa, diante de uma situação que lhe exige, e frente a um desejo de se colocar, sentir-se capaz de falar! Poder dizer não, ou dizer que sugere outra coisa. E sem necessariamente perder a tranquilidade. Sem a intenção de agredir ninguém… em paz.

A capacidade de escolher, a cada momento, a cada situação, é o que faz dele não mais refém, mas senhor das próprias experiências. Tem gente que prefere estar em paz do que ter razão. Isso é louvável, quando bem praticado. Mas tem gente que prefere ser fiel a si mesmo e à própria capacidade de decidir e perceber.

E pasme! Esta pessoa, talvez de uma forma mais profunda que a primeira, entendeu onde reside essa tal de paz.

Paz sem voz não é paz, é medo.




Psicólogo, reside no Rio de Janeiro e é colunista do site Fãs da Psicanálise.

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