De todos os acolhimentos necessários, de todos os lugares que você já esteve e se sentiu à vontade, nenhum deve ser mais confortável que a sua própria companhia.

Agora o silêncio não o assusta mais. Não faz com que deseje outra presença. Não desperta o medo. É o silêncio de quem aprendeu a olhar para dentro e sorrir. A maturidade de quem compreendeu que, para se doar é preciso primeiro pertencer a si mesmo.

Com todas as colagens das experiências passadas, com todos os recortes que um dia sangraram fundo, com tudo aquilo que permitiu que, a consciência da descoberta aflorasse e falasse mais alto que qualquer outra voz.

Quem aprecia a própria companhia não sente necessidade de justificar as escolhas.

Isso não é nenhuma ofensa ao amor. Muito pelo contrário, é uma forma de louvá-lo em sua forma mais genuína: o amor-próprio. O amor-próprio é fruto de uma escavação constante nos labirintos do ser. Se você aceitar o que descobrir de si, vai brotar amor em tudo que é canto.

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Todos caem e se estilhaçam. Somos porcelanas, tão frágeis e, de vez em quando, não é pecado recolher-se com algum ferimento grave, ficar dias sem espiar o mundo lá fora, apenas deixar que as emoções circulem e depois se despeçam.

Acolher-se nesse estágio de “pausa”, onde nada parece colar, e o mundo fica tão desbotado e sem graça, com vista para o nada, é demonstrar que esse amor é legítimo e veio para ficar, pois não permite a visita da autossabotagem, e você não se engana dizendo que “está tudo bem” nem topa frequentar lugares para agradar amigos ou quem quer que seja, quando tudo o que se quer é mergulhar na paz do próprio abraço.

De tanto estilhaçar, você montou um belo vitral. Aprendeu a respeitar o seu tempo interior, não renegando aqueles pedacinhos que demoraram para colar. Não enganando a imagem que, de vez em quando, ainda chora no banheiro depois de mais uma queda feia.

De tanto estilhaçar, você aprendeu a aceitar que cada caco também é você, que a espera também é acessório da vida, que desmontar-se faz parte da experiência ontológica.

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Agora, você aceita e brinca com a sua própria companhia, ri de si mesmo, se abraça por dentro porque já compreendeu que “felicidade é só questão de ser”; e ser é experimentar os extremos, constantemente.

Ser é descobrir-se todos os dias; vendaval e calmaria. Um defeito aqui, uma qualidade acolá e não deixar que isso o impeça de ser feliz. É apenas mais uma faceta desse ser complexo que o habita, é mais uma demonstração de força nesse emaranhado todo que o fazem único e especial.




Ester Chaves é escritora brasiliense. Graduada em Letras pela Universidade Católica de Brasília e Pós-Graduada em Literatura Brasileira pela mesma instituição. Atuante na vida cultural da cidade, participou de vários eventos poético-musicais. Já teve textos publicados em jornais e revistas. É colunista do site “Fãs da Psicanálise”.

2 COMENTÁRIOS

  1. Depois da queda a impressão é que nunca se voltará a ser inteira. Mas aos poucos, bem aos poucos, pois o estrago foi grande, vamos juntando os cacos. O que doía não dói mais, a mágoa deu lugar à raiva e, depois dessa, veio à indiferença. E então o belo vitral se forma. E a luz que passa por ele tem lindos tons. É a vida que retorna, mas agora, com uma diferença: ficamos mais cuidadosos.

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