Outro dia, conversando com um amigo e colega de profissão, ele me contou que estava em uma audiência pública em que ouviu um severo ataque à Psicanálise, no que diz respeito às velhas questões “é ou não é ciência?”, “qual sua eficácia a curto prazo?”, etc.

Sem poder rebater da forma que gostaria tal debate, estava ele muito chateado. Desde sua criação a Psicanálise tem sofrido ataques desse tipo, ou piores. Então, dizendo isso para meu marido, ele retruca, indignado: “E vocês não vão fazer nada???”.

Nós psicanalistas geralmente nos posicionamos de modo a falar da teoria e de não responder às críticas, afinal, estamos aí até hoje, aos milhares espalhados pelo mundo. Brigamos entre nós, debatemos teorias, mas aí estamos desde Freud. Todos sabem que não se bate em cachorro morto. Se continuam a bater na Psicanálise, é porque está mais viva do que nunca. Mas eis que eu ando de saco cheio de ser educada, política, ética. Afinal, nossa ética não nos permite ir a locais públicos para, ao invés de nossa teoria, falar mal das outras. Isso é feio gente. Então, com o saquinho cheio, acho que posso dizer algumas coisas.

Mesmo que continuem a questionar o status científico da Psicanálise, Lacan bem lembrou que se a ciência da qual estão falando e cobrando para que nos enquadremos seja essa que se propõe a medir o sujeito, não, obrigada, não somos ciência. Se a ciência à qual querem que nos encaixemos é a mesma que enclausurou os “loucos”, não, obrigada, não somos ciência. Se a ciência à qual querem que nos definamos é a mesma que “pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá, mas não pode medir seus encantos” [1], não, obrigada, não somos ciência.

“A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem nos encantos de um sabiá” (Manoel de Barros). Vou usar essa frase para dizer que a ciência, com sua mania calculista, não pode calcular quantos cavalos de força existem na pulsão.

Me desculpem os sabichões, mas a psicanálise não é pra qualquer um. Ela é só pra quem vê poesia nos sintomas, pra quem vê arte na dor.

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“A poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.

Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.”
Manoel de Barros.

A psicanálise é pra quem prefere ser imbecil, do que saber demais, do que ter receitas prontas, do que ter “alívio já”. Psicanalistas só conhecem um tipo de alívio já: o do Antiácido.

Agora entendam de uma vez por todas:

Imagine que você tem uma casa que começa a dar problemas e precisa de reformas. As terapias focais farão a reforma e, por Deus do céu (!), terão sua eficácia garantida e comprovada. Mas a psicanálise é pra quem acha que toda casa, ou seja, toda construção fantasmática, deve ser destruída e reerguida desde a base. Sim, somos exagerados! Sim, nossa relação com o mundo sempre tem uma dosesinha de devastação! Sim, somos angustiados! Sim, choramos alto, soluçamos, descabelamos! Sim, sempre achamos melhor derrubar logo tudo e fazer de novo. Sim, gostamos mais do discurso histérico do que do mestre. Não fazemos o que o mestre mandou! Somos assim desde pequenos, queremos tudo! Não economizamos nem na dor, nem no amor. Mas isso é problema nosso e de quem nos procura e continua em análise, mesmo depois de saber que a casa caiu. Perdeu playboy!

Então é isso, tudo o que queremos é fazer falar o sujeito, o inconsciente, a poesia de cada um. E já chega de torração de saco! Ah, Santa Histeria, rogai por nós e nos dê a santa paCIÊNCIA!




Psicóloga clínica, psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Fórum do Campo Lacaniano de MS. Revisora de textos na Oficina do Texto. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Despensadora da ciência e costuradora de palavras por opção. Autora dos livros Costurando Palavras: contos e crônicas (2012), Em defesa dos avessos humanos: crônicas psicanaliterárias (2014) e do romance Nau dos Amoucos (2017). Mãe do Adriano.

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