A sincronicidade é um dos termos mais controversos e menos compreendido da Psicologia Analítica de Carl Jung.

Jung criou o termo empírico sincronicidade para poder explicar acontecimentos que fogem da causalidade e das leis do tempo e espaço.

A causalidade é bem conhecida do pensamento cartesiano de causa e efeito. Entretanto alguns acontecimentos em nossas vidas escapam dessa lei, onde um acontecimento tem uma causa conhecida e que pode se encaixar em um postulado ou lei.

São aqueles fenômenos que por vezes tomamos por simples coincidência, mas que escapam de qualquer explicação lógica, e a lei de causa e efeito não da conta desses fenômenos raros e aleatórios.

Jung (2000) diz:

“Como nos mostra sua etimologia, esse termo tem alguma coisa a ver com o tempo ou, para sermos mais exatos, com uma espécie de simultaneidade. Em vez de simultaneidade, poderíamos usar também o conceito de coincidência significativa de dois ou mais acontecimentos, em que se trata de algo mais do que uma probabilidade de acasos.”

Os fenômenos sincronísticos por serem acausais não estão limitados ao espaço e ao tempo. Para o inconsciente tempo e espaço são relativos e eu gosto afirmar que a sincronicidade é uma quebra na consciência do ego que é pautada no pensamento cartesiano e presa no espaço-tempo.

São eventos imprevisíveis, espontâneos e não se repetem mais.

São fenômenos que, se analisados com seriedade e cuidado, possuem grande valor terapêutico na análise, pois chamam a atenção para áreas problemáticas que, por estarem inconscientes, eram até então intocadas.

É muito comum ocorrer eventos sincronisticos quando a psicoterapia está estagnada e sem a possibilidade de progredir. Esses eventos então ocorrem trazendo novos horizontes ao paciente.

Conforme o Dicionário Crítico Junguiano (2015), Jung desenvolveu esse conceito de vários modos:

  • Como um “principio não causal de conexão”;
  • Como se referindo a eventos relacionados de forma significativa, mas não causal (isto é, não coincidentes no tempo e no espaço);
  • Como se referindo a eventos que coincidem no tempo e no espaço, mas que também podem ser julgados como tendo conexões psicológicas significativas;
  • Como ligando os mundos psíquico e material (nos escritos de Jung sobre a sincronicidade, muitas vezes, mas nem sempre, o mundo material inorgânico).

Além disso, a sincronicidade pode ocorrer de formas diferentes: como uma coincidência simultânea de um estado psíquico e um evento externo no mesmo tempo e espaço; uma coincidência de um estado psíquico com um evento externo distante no espaço; uma coincidência de um estado psíquico com um evento externo distante no tempo (a precognição); e também distantes no tempo e espaço.

A sincronicidade pode ocorrer em estado de vigília bem como em sonhos. Sonhar com algo e logo após haver uma coincidência externa, possui um significado psicológico latente.

Jung (2000) cita um caso muito significativo de sincronicidade:

“O exemplo que vos proponho é o de uma jovem paciente que se mostrava inacessível, psicologicamente falando, apesar das tentativas de parte a parte neste sentido. A dificuldade residia no fato de ela pretender saber sempre melhor as coisas do que os outros. Sua excelente formação lhe fornecia uma arma adequada para isto, a saber, um racionalismo cartesiano aguçadíssimo, acompanhado de uma concepção geometricamente impecável da realidade. Após algumas tentativas de atenuar o seu racionalismo com um pensamento mais humano, tive de me limitar à esperança de que algo inesperado e irracional acontecesse algo que fosse capaz de despedaçar a retorta intelectual em que ela se encerrava. Assim, certo dia eu estava sentado diante dela, de costas para a janela, a fim de escutar a sua torrente de eloquência. Na noite anterior ela havia tido um sonho impressionante no qual alguém lhe dava um escaravelho de ouro (uma jóia preciosa) de presente. Enquanto ela me contava o sonho, eu ouvi que alguma coisa batia de leve na janela, por trás de mim. Voltei-me e vi que se tratava de um inseto alado de certo tamanho, que se chocou com a vidraça, pelo lado de fora, evidentemente com a intenção de entrar no aposento escuro. Isto me pareceu estranho. Abri imediatamente a janela e apanhei o animalzinho em pleno vôo, no ar. Era um escarabeídeo, da espécie da cetonia aurata, o besouro-rosa comum, cuja cor verde-dourada torna-o muito semelhante a um escaravelho de ouro. Estendi-lhe o besouro dizendo-lhe: ‘está aqui o seu escaravelho’. Este acontecimento abriu a brecha desejada no seu racionalismo, e com isto rompeu-se o gelo de sua resistência intelectual. O tratamento pôde então ser conduzido com êxito”.

Jung observou também que as sincronicidades ocorrem principalmente quando um arquétipo está constelado e por isso possuem um caráter numinoso, ou seja, carregado de mistério e com uma natureza transcendente. Isso porque o inconsciente coletivo com seus arquétipos possui uma natureza absolutamente transpessoal.

Mas ele alerta ao fato de não supormos que o arquétipo “causou” o evento:

“Eu me inclino, porém a admitir que a sincronicidade em sentido mais estrito é apenas um caso especial de organização geral, aquele da equivalência dos processos psíquicos e físicos onde o observador está em condição privilegiada de poder reconhecer o tertium comparationis. Mas logo que percebe o pano de fundo arquetípico, ele é tentado a atribuir a assimilação dos processos psíquicos e físicos independentes a um efeito (causal) do arquétipo, e assim, a ignorar o fato de que eles são meramente contingentes. Evitamos este perigo se considerarmos a sincronicidade como um caso especial de organização acausal geral. (…) … devemos considerá-los [os acontecimentos acausais] como atos de criação no sentido de uma creatio continua (criação contínua) de um modelo que se repete esporadicamente desde toda a eternidade e não pode ser deduzido a partir de antecedentes conhecidos. (Jung, 2000)

Para Jung, nos eventos sincronisticos há uma espécie de precognição de eventos futuros. Mas para ele a grande importância nesses acontecimentos está no significado e na coincidência.

Como se trata de um assunto profundo e de grande dificuldade de interpretação podemos cair em alguns equívocos.

Um deles é superestimar a sincroniciade. É claro que não se deve subestimar esses fenômenos, mas dar uma importância indevida a eles pode nos levar ao erro de achar que tudo é sincronicidade!

“O fato do evento sincronístico não ter uma causa pode levar ao erro de se imaginar que tudo aquilo que não tem uma causa conhecida é um evento sincronístico. Quanto a isso Jung é bem claro, afirmando que: “Devemos obviamente nos prevenir de pensar todo evento cuja causa é desconhecida como “sem causa”. Isso é admissível apenas quando uma causa não é nem sequer imaginável. Este é especialmente o caso quando espaço e tempo perdem seu significado ou aparecem relativizados, caso em que uma conexão causal também torna-se impensável.” (Jung, 2000)

Para finalizar o assunto, é importante termos em mente que a sincronicidade é mais que meras coincidências, pois ela sempre traz subjacente um arquétipo. Como no caso do escaravelho citado por Jung, houve por meio de uma imagem arquetípica a constelação de um arquétipo e essa sincronicidade possuía um significado muito profundo para aquela analisanda.

Portanto o significado é de extrema importância para a sincronicidade. E esse significado deve ser profundo, algo que venha a ampliar a consciência da pessoa, fazendo-a sair da prisão de seu estado atual.

A sincronicidade mostra então um caminho a ser trilhado pelo ego, de forma a colocar o individuo no processo de individuação.

Em nossa sociedade ocidental, escrava da racionalidade se dá pouca importância a esses eventos. Entretanto quanto mais nos aproximarmos do nosso inconsciente e prestamos atenção aos sinais enviados, podemos nos tornar mais completos, mais humanos e assim mais sincronicidades podem ocorrer em nossas vidas, transformando aquilo que é ordinário em transcendente e trazendo um novo significado a nossa existência.

Bibliografia:

JUNG, C. G. Sincronicidade. Petrópolis: Vozes, 2000, 10ª edição.

http://www.rubedo.psc.br/dicjung/verbetes/sincroni.htm . Acesssado em 02-02-2915




Hellen Reis Mourão é analista Junguiana e especialista em Mitologia e Contos de Fadas. Atua como psicoterapeuta, professora e palestrante de Psicologia Analítica em SP e RJ. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

2 COMENTÁRIOS

  1. Ótima explanação, muito bem abordada. Tenho acompanhado vários artigos e palestras suas, Hellen. Quero te agradecer por estar me ajudando a compreender a estruturação dos arquétipos nos mitos, contos de fadas e na própria fonte, a análise de Jung. Espero logo conseguir cursar psicologia, pois meu amor e interesse cresce cada vez mais!!!

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