Às vezes acho que no mundo acontece muita interpretação errada de texto e pouca comunicação clara e consistente. Ou é a gente mesmo que adora se afundar no colorido novo e doce de uma ilusão e deixa de ver o que estava ali sem tanta graça na nossa frente.

Estou falando isso pois muitas vezes sinto dificuldade em exercitar a minha liberdade de expressão, porque dependendo do que vou dizer, do que vou vestir, de como vou sorrir, de como vou andar no mundo, vão me julgar, vão me avaliar como uma mulher X, Y ou Z, vão perceber em mim mais do que eu tenho para oferecer.

Vão colocar camadas de interpretação na espontaneidade dos meus gestos, vão adivinhar minhas vontades, meus interesses, vão ver o que querem, sem nem ao menos me perguntar o que eu penso, sinto e espero.

E quando, por vezes, levarem um susto ao verem que meu sorriso era apenas um sorriso simples, sem segundas intenções, que minha conversa era curiosidade pela vida, que a minha disponibilidade para ouvir era apenas respeito e interesse por outras visões de mundo e que os meus seios soltos e mamilos acesos eram apenas o frio e o gosto por me sentir confortável em mim mesma. Eles vão dizer que não era a interpretação deles que estava errada, eu é que fui simpática demais.

Fui eu que sorri demais, que ouvi, que falei, que olhei nos olhos, que abri espaços.

Ou então, eles vão se frustrar e transferir os estereótipos, em poucos minutos deixo de ser ‘a puta’ para me tornar ‘a frígida’, deixo de ser ‘a misteriosa’ e passo a ser ‘a louca’, deixo de ser ‘o brilho’ e passo a ser ‘o proibido’.

Ou ainda eles vão dizer que eu acho que não quero, mas no fundo quero sim, é só charme.

Ou, felizmente, eles vão perceber que misturou-se minha liberdade de ser com uma grande carência deles e criou-se essa interpretação enviesada, embaçada e falsa de que eu estava a fim.

Mas muito provavelmente eu serei culpada pelo coito emocional interrompido. Afinal de contas a minha imagem criou o interesse, o meu jeito incitou o desejo, o meu sorriso despertou a vontade.

E se eu me fechar, me afastar, enfim mudar meu jeito, talvez eu seja caracterizada de fria, metida e arrogante.

Me desculpe dizer, mas me parece que ainda hoje os homens agem como querem, falam o que querem, amam e desamam num piscar de olhos e estão sempre lavando as próprias mãos e estão sempre apenas sendo eles mesmos, livres para viver, falar, vestir, mudar de opinião.

As ilusões que as mulheres criarem com relação a eles são problemas delas!

E por que, então, as ilusões que os homens criam a nosso respeito são problemas nossos?

De toda forma, eu não acredito em me fechar totalmente, em deixar de falar, de gostar de conviver, de dançar, de ser… Mas hoje eu quero filtrar, eu quero exercitar o ‘não’, eu quero silenciar quando o assunto não é meu, e não quero acreditar que os olhares alheios e os problemas dos outros estão nas minhas mãos.

Sim, talvez eu fique um pouco menos simpática, um pouco mais na minha, um pouco mais seletiva, mas mesmo assim ainda cheia de vontade dessa luta – ser o que realmente sou nessa vida.




Clara Baccarin é paulista dos interiores, nascida nos anos 80. É escritora, poeta e agitadora cultural. Faz parte do grupo editorial Laranja Original. Publicou, pela editora Chiado, o romance poético Castelos Tropicais (2015) e a coletânea de poemas, pela editora Sempiterno (2016), Instruções para Lavar a Alma. Em 2017 lança, em parceria com músicos e compositores, o álbum Lavar a Alma, que reúne 13 de seus poemas musicados. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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