Família

TUDO É CULPA DA MÃE?

A vida se inicia por uma necessidade humana criativa. Assim como qualquer artista, o criador humano da vida precisa obter muito além que materiais para criação, precisa fazer que em um quadro branco nasçam cores, formas, e vida. Precisa ter disponibilidade interna para olhar um pedaço de barro e enxergar a potencialidade para algo estrutural e único.

Na vida, o autor humano é a mãe¹e a obra é o filho. Só se sabe o que é ser mãe quando se cria, mas todo mundo sente a importância de um criador para que a vida faça sentido. O olhar da mãe é a mais potente energia para a vida, e o vínculo do amor materno é a estrutura básica para o surgimento da subjetividade.

Entretanto,trazer ao mundo vida nunca é fácil, pois tudo que é vida precisa ser gestado, potencializado, expectado. É uma criação de conteúdo subjetivo e relacional em que se toma como matéria prima o mais forte e estruturante dos sentimentos humanos. Esta relação é complexa, assim como tudo o que é humano.  É vida,criação, felicidade e certamente também é embate, conflito, agressividade.

Amor e ódio são sentimentos naturalmente humanos e coexistem em todas as relações e construções. O amor é fácil de aceitar, já a agressividade e o ódio nem tanto, pois são entendidos como ameaçadores. Mas negar a dualidade é negar a humanidade. Os sentimentos destrutivos, entretanto, podem ser compreendidos como fontes de vida em potencial,necessários para desestabilizar e provocar o fortalecimentoda energia de vida, impedindo sua estagnação frente qualquer destruição.

E a mãe, afinal, neste jogo relacional de criação, é culpada por tudo?

Assim como pontua Andrade (2009)² sobre a determinação do passado:

“Não é o passado pontual que pode explicar qualquer coisa, mas o que é feito dele, como o passado foi vivido, o que ficou dele, e o que foi transformado. Em Psicanálise sabemos bem que não somos vítimas das personagens do passado, mas de nós mesmo, de nossa bagagem interna, de nossos recursos ou da ausência deles”.

Se todo autor é responsável pela sua obra, tambémnenhuma obra existiria sem seu autor, assim como todo autor já foi obra e toda obra, em algum sentido, será autor. É nessa relação que a vida é criadapor caminhos quepouco pertencem ao autor, mas aomundo que demanda seu existir e principalmente a si mesmo enquanto potencial humano para criar.

¹ Entende-se por mãe, qualquer figuraque desempenhe a função de cuidador principal no início da vida do ser humano.Mãe, neste contexto, pode ser compreendida como algo além de uma definição rigorosa.

² Andrade, S. H. Pulsão de Vida e Pulsão de Morte. In: XXII Congresso Brasileiro de Psicanálise, 2009. Disponível em <http://cursosuad.com.br/wp-content/uploads/2010/10/Instinto-de-Vida-e-Instinto-de-Morte2.pdf>

João Paulo Zerbinati

Psicólogo clínico de orientação psicanalítica, atendendo em Itápolis-SP e Ribeirão Preto-SP. Graduado pela PUC (2014). Mestre pela UNESP (2017). Pesquisador membro do grupo de pesquisa SexualidadeVida USP\CNPq. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

Share
Published by
João Paulo Zerbinati

Recent Posts

🍿 Como os cassinos estão se associando a Hollywood para criar experiências inesquecíveis

A relação entre os cassinos e a indústria cinematográfica é uma história de promoção e…

1 semana ago

Ouvir pessoas que sempre reclamam tira sua energia

O dia a dia está cheio de dificuldades e problemas difíceis de resolver para algumas…

1 semana ago

Como perder o medo de ficar sozinho

A sociedade moderna mostra o crescimento de lares com apenas um indivíduo. São pessoas que…

1 semana ago

Por incrível que pareça, pessoas sensíveis são muito fortes

Pessoas sensíveis fortalecem-se porque não escondem o que sentem, o que são, por isso mesmo…

1 semana ago

Não faça drama, faça brigadeiros

É verdade que a vida às vezes exagera nos tombos que dá, fazendo-nos cair dolorosamente,…

1 semana ago

As mulheres que gostam de cozinhar têm as almas mais bonitas e puras

Desde os tempos antigos, a imagem das mulheres tem sido associada a atividades domésticas, como…

1 semana ago