Ex-ET: uma alegoria sobre a normalização e a medicalização da diferença

Em um planeta distante, a vida é absolutamente regulada e ordenada. Todos os seres agem de forma absolutamente metódica: todos trabalham da mesma maneira, se divertem da mesma maneira, se relacionam da mesma maneira. Todos são, inclusive fisicamente, quadrados. Na verdade, nem todos. Uma pequena criaturinha arredondada não age como os demais. Ao invés de fazer os mesmos movimentos repetitivos que as outras crianças-ET fazem – o que parece ser entendido como “brincadeira” -, esta peculiar criaturinha faz tudo diferente. Este é o mote do curta-metragem de animação francês Ex-ET, dirigido por quatro animadores, dentre eles Benoit Bargeton, um dos responsáveis pelo processo de animação do filme Meu malvado favorito 2.

Pois bem, no curta, esta estranha criaturinha possui uma agitação totalmente atípica: corre de um lado para o outro, tira as coisas do lugar, bagunça toda a desejada ordem daquele lugar. Se fosse no planeta Terra, este ETzinho seria facilmente diagnosticado como sendo portador do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e provavelmente seria medicado com Ritalina, Concerta (adoro esse nome!) ou outra droga equivalente. Mas o que acontece com ele em seu planeta não é muito diferente disso. Após chocar e envergonhar seus pais e a comunidade com seu comportamento agitado e impulsivo, o ETzinho é levado para uma espécie de avaliação médica, que consiste de uma série de testes.

No primeiro deles, é entregue ao garoto um cubo mágico, esperando-se que ele o resolva. Só que o garoto novamente age de forma inesperada, criando uma estranha forma com o cubo. No teste seguinte, é entregue a ele uma espécie de caderno com tintas, esperando-se que ele preencha cada um dos quadrados coloridos com as respectivas cores. E novamente a atípica criaturinha faz tudo diferente. Inicialmente ele até preenche conforme o esperado; só que em seguida fecha o caderno e mistura tudo, sujando e chocando os nobres doutores. Finalizado o teste e diagnosticada a patologia, os médicos então optam por medicar o garoto, pretendendo com isso, normalizá-lo, ou seja, torná-lo igual aos outros outros garotos-ET de sua comunidade. E o remédio realmente acaba tendo o efeito desejado, pelo menos por um tempo.

A “droga da obediência” faz com que o garoto brinque e se comporte da mesma forma metódica e sistemática que todos os outros. Seus pais ficam felizes. Tudo vai “bem” até que o garoto vomita a medicação e, com isso, volta a se comportar como antes: pula, corre, faz bagunça, trazendo novamente o “caos” para aquele ordeiro (e entediante) planeta. O resultado é previsível. Como já fizemos e ainda fazemos com muitos daqueles que julgamos diferentes em nosso planeta, o garoto, com o consentimento de seus pais, é afastado de sua comunidade, sendo expulso de seu planeta. Colocado em uma pequena nave espacial, a estranha e amável criaturinha é enviada para um planeta distante: o planeta Terra, onde renascerá como um de nossos bebês.

E provavelmente, neste novo planeta, ele crescerá e voltará a agir com seu jeito peculiar de ser. E infelizmente corre-se o risco de que tudo volte a se repetir e toda a espontaneidade e criatividade manifestadas pelo ETezinho (agora um garotinho), sejam novamente entendidas como comportamentos anormais passíveis de serem medicalizados. É, talvez o planeta retratado pelo filme não seja assim tão diferente do nosso.

Assista ao curta-metragem:

(Fonte:psicologiadospsicologo)

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