Família

O impacto do abandono infantil na mente do adulto

Todos nós, quando éramos crianças, passamos por experiências de nos sentir momentaneamente esquecidos e deixados por nossos pais.

Por que então apenas alguns de nós desenvolvem experiências traumáticas a partir desses momentos? Por que nem todos sofrem o mesmo tipo de desorientação traumática?

Uma resposta para isso, como Winnicott sugeriu em Jogo e Realidade (1971), é que pode haver um fator de tempo que transforma a experiência de ser deixado sozinho de algo comum em algo mais traumático.

O que queremos dizer com uma sensação traumática de abandono?

Se entendermos a experiência que os clientes adultos apresentam na psicoterapia, o que descobrimos é que quando certos eventos acontecem no presente, por exemplo:

– ficar decepcionado em uma noite fora, ou
– sentir que seus amigos estão falando pelas suas costas, ou
– sua namorada não responder às suas ligações com rapidez suficiente

Qualquer uma dessas experiências pode se tornar a base de uma resposta ansiosa, talvez paranoica. Nós passamos de experienciar as coisas como comuns e benignas, e entramos em um lugar diferente no qual estamos nas garras da ansiedade, e de repente estamos em algo apavorante. Você não pode estalar os dedos e ficar livre disso.

Quando somos apanhados neste tipo de momentos de pesadelo, podemos nos tornar cada vez mais ansiosos e paranoicos. Ficamos cada vez mais perturbados e não conseguimos fazer o caminho comum de volta a um tipo de pensamento lógico que nos ajudaria a acalmar nossas mentes e relaxar.

Em vez disso, a experiência se torna mais difícil e extrema. Ficamos cada vez mais apegados a isso, como alguém que é apanhado em algum tipo de armadilha e quanto mais luta, mais o laço aperta. Carl Jung se referiu a esse tipo de fenômeno como um complexo. Para Jung, um complexo é uma parte autônoma de nossas mentes, que se separou e opera de maneira autônoma. Quando somos apanhados nesses sentimentos de traição e abandono, de não nos sentirmos seguros, segundo Jung, estamos presos em um complexo.

O que você pode fazer se está passando por isso?

Em primeiro lugar, você tem que tentar lembrar que não tem uma varinha mágica, não pode simplesmente parar a experiência. Você está preso em algo poderoso.

Há pouco que podemos fazer quando estamos nas garras da experiência. Mas, quando sairmos disso, poderemos trabalhar nisso então. Esses tipos de experiências passam. Quando acabar, podemos perceber mais coisas, refletir mais, pensar mais sobre o que nos aconteceu.

Podemos descobrir que, em algum lugar de nossa memória, passamos de um momento inocente e benigno para um momento traumático, que algo aconteceu e mudou a direção do nosso pensamento e experiência.

Assim, por exemplo, poderíamos ter sentido que um colega, amigo ou amante nos olhou de forma estranha ou fez algo de que não gostamos. E que essa experiência mudou tudo o que se seguiu.

Precisamos tentar ser gentis com nós mesmos. Este é um trabalho muito difícil de fazer, e pode ser que você precise de um psicoterapeuta para fazê-lo, mas, talvez seja possível acompanhar a história do que aconteceu para que você interpretasse tudo do pior modo.

Ao fazê-lo, você poderá desenvolver uma maior continuidade sobre sua própria mente, sobre sua memória.

Você pode ser capaz de seguir os caminhos da sua mente até os complexos que tendem a se apossar de você. E, ao fazê-lo, consiga limitar seu poder e influência sobre você. Este é o tipo de trabalho que Marcel Proust poderia realizar em suas explorações da mente de Marcel em Lembranças de Coisas Passadas.

Nós não somos Proust, então o resto de nós terá que ter paciência em seguir as ligações que aparecerem em nossos pensamentos, lembranças e experiências.

Quando tivemos uma experiência traumática de ser abandonado, é fácil internalizar o sentimento de ser rejeitado. E assim aprendemos a nos rejeitar. Isso faz parte da nossa experiência inútil e apenas reforça o complexo quando ele nos envolve.

Uma maneira de começar a recuperação desse tipo de experiência traumática é começar desenvolvendo uma atitude gentil e não-rejeitadora para com você mesmo. Tente lembrar: você não se colocaria nesse estado de espírito. Você foi colocado nisso por um evento fortuito que ocorreu no presente que desencadeou a repetição de algo traumático de seu passado.

Você precisa ser gentil consigo mesmo agora para encontrar uma nova maneira de passar por esses momentos.

(Link original: psychcentral)
*Traduzido e adaptado por Marcela Jahjah, da equipe Fãs da Psicanálise

*Texto traduzido e adaptado com exclusividade para o site Fãs da Psicanálise. É proibida a divulgação deste material em páginas comerciais, seja em forma de texto, vídeo ou imagem, mesmo com os devidos créditos.

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