Terapia

As feridas emocionais de um nascimento prematuro

Uma decisão médica de urgência é tomada para salvar a vida da mãe e a do bebê… o parto ocorre brutalmente, sem nenhuma previsão, perturbando todos os projetos… todas as antecipações sonhadas pelos pais prevendo esse dia tão esperado que é a vinda de seu filho ao mundo.

Este filho, nascido prematuramente, no pânico e no imprevisto, lhes é tirado muito precocemente. A incerteza de sua sobrevivência, sua fragilidade, causam grande angústia nos pais… e uma ferida emocional que, muitas vezes, não cicatriza.

A mãe, prematuramente mãe, acha-se impedida, vivendo aquele nascimento como um traumatismo sem nome. Essa interrupção brutal da gestação causa-lhe um sentimento de irrealidade: “Esse filho é realmente meu? Saiu de meu ventre?”. Quando visita o bebê pela primeira vez, pode parecer distante, ausente… muitas vezes queixando-se desse sentimento de irrealidade ou mesmo ainda “sentindo” o filho dentro de si.

Os últimos meses da gestação, quando a barriga está bem aparente, quando enxerga-se ali o bebê, quando a mãe o sente mexer e aprende a conhecê-lo, são momentos extremamente importantes para a construção da criança, mas também para a construção da mãe.

O parto prematuro ocorre quando a mulher mal começava a sentir os movimentos de seu bebê e a ser reconhecida enquanto mulher grávida, como uma futura mãe. Esse tempo de elaboração é indispensável, pois permite a criança constituir-se não só no útero da mãe, mas também em sua fantasia.

Leia mais: Ninguém nasce mãe, torna-se

Preparar o enxoval fabrica, para além das roupinhas da criança, seus braços, pernas e corpo na mente materna. Preparar seu quarto, seu berço, permitem-lhe começar a conceber uma representação de seu filho. Esses últimos meses deixam-lhe o tempo de imaginar, a sonhar seu filho, a conhecê-lo e a ser reconhecida como mãe pela sociedade, estatuto particular que a faz sentir-se forte e importante.

A autoimagem materna, manchada por este parto prematuro, faz com que ela sinta-se decepcionada consigo mesma, por não ter levado a gestação até o final e gerar um belo filho saudável. Como sentir-se mãe desse bebê que pouco interage, que não mama no seio, que não olha? O nascimento, então, parece anular-se… e a mãe permanece portadora do filho imaginário para tentar lutar contra a decepção e a inevitável culpa.

Se a ambivalência está presente em cada nascimento, o parto prematuro coloca em primeiro plano a sensação de ser perigosa para o próprio filho. Vida e morte encontram-se demasiadamente próximas e misturadas. O bebê prematuro não pode vir em socorro de sua mãe, deixando-a sozinha diante de sua angústia…

É nesse momento que, muitas vezes, faz-se fundamental o acompanhamento psicológico materno, para prevenir episódios delirantes ou de graves estados depressivos.

Leia mais: A perda gestacional é uma perda real e uma dor imensa: não a subestime

Durante o tempo em que atuei como psicóloga junto a mães e bebês que passaram longo tempo em UTI neonatal, pude ver e conviver com diversas histórias, atuando para facilitar o reparo e fortalecimento desses vínculo estremecido, tão fundamental para o desenvolvimento do bebê prematuro… vínculo de amor que o estimula a manter-se vivo e a vencer os desafios que se colocaram tão cedo em sua vida.

Observar a construção dessas histórias, a superação dos traumas vividos e a estruturação da dupla mãe-bebê, ensinou-me muitas lições sobre a vida (e algumas vezes, também sobre a morte…) que marcaram-me profundamente e mudaram o meu olhar sobre o início dessa jornada tão frágil e preciosa!

Bibliografia

Mathelin, C. (1999). O sorriso da Gioconda: clínica psicanalítica com os bebês prematuros. Rio de Janeiro: Cia. de Freud.

Raíssa Tebet

Psicóloga clínica, especialista em Neuropsicologia e Psicologia Hospitalar, com ênfase em acompanhamento Pré e Perinatal. Realiza atendimento psicológico individual, grupal e avaliação/reabilitação neuropsicológica. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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  • Não gostei dessa matéria. Acredito sim que um nascimento prematuro possa trazer traumas, mas em alguns momentos no texto coloca-se isso como se fosse culpa do prematuro e em nenhum momento fala das "feridas e traumas" do prematuro! Que com certeza fica no inconsciente da criança. Se é pra falar de um assunto delicado deve-se tomar mais cuidado com as palavras, até porque o motivo de um nascimento prematuro pode ser tanto genético como culpa da própria mãe. Gosto muito dos textos deste blog mas não gostei de alguns colocações deste texto, também achei incompleto para um assunto desse. Certos assunto não dá pr adar uma pincelada apenas.

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Raíssa Tebet

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