Comportamento

Mas eu não fiz nada!

Quantas vezes nós já não nos pegamos fazendo a seguinte pergunta: Mas eu não fiz nada contra fulano ou fulana para ela ou ele não gostar de mim?

Às vezes, a gente pisa na bola com alguém e leva o troco. Nada mais natural. Mas em outros momentos, recebemos uma antipatia que nos parece totalmente gratuita. Diante de tais situações, a angústia é um sentimento forte, devastador, pois estamos sendo punidos sem saber o porquê. Mais devastador ainda se a pessoa que nos rejeita sem motivo aparente está ligada a outra pessoa que nós amamos.

Como agir diante de amigos do namorado/namorada que não nos curtem, embora não haja um motivo justo para tal? Como agir diante de colegas de trabalho que sempre arrumam um jeito de deixar bem claro que preferem nos ver pelas costas?

A questão é muito mais complexa do que se possa imaginar. Não é preciso ter ofendido ou prejudicado de forma direta alguém, para este mesmo alguém não gostar da gente. Muitas vezes, pessoas as quais ajudamos podem se virar contra nós.

A questão é que às vezes a nossa simples posição no mundo pode incomodar pessoas que nós mal sabemos que existem. Às vezes, as pessoas projetam as suas próprias frustrações em cima de alguém que tem coragem de fazer e viver o que elas não conseguem, por comodismo, por moralismo, por medo do ridículo. Podemos perceber tal conduta muito claramente por meio dos homofóbicos. Pessoas com sérios dilemas sexuais odeiam gratuitamente aqueles que cometem o grande crime de serem eles mesmos.

Situação semelhante pode acontecer com as mulheres emancipadas num sentido mais profundo. Por mais gentis que elas sejam, a própria fluidez com que elas se movem pelo mundo, fazendo escolhas singulares e quebrando padrões com grande naturalidade pode gerar o mais subjetivo e inexplicável tipo de ódio.

É extremamente difícil ter que lidar com pessoas as quais não podemos pedir desculpas, pois nada fizemos contra elas, além de existirmos. Se possível, o melhor é manter uma distância segura. Caso não seja, o ideal é criar paredes internas de autopreservação como diria uma personagem do romance Xogum, de James Clavell.

Ninguém está livre de ser o alvo da projeção alheia ou de projetar alguma lacuna em outra pessoa. O processo psicanalítico ajuda muito nos dois casos. Se você está sendo alvo de um ódio gratuito, a análise te ajudará a lidar com este tipo de situação. Se você está projetando algo negativo no outro, a análise também te ajudará a ressignificar afetos que parecem perdidos. E mesmo que esta ressignificação não seja possível, podemos ao menos aprender a aceitar melhor certas feridas inevitáveis.

Sílvia Marques

Profa. doutora , idealizadora da Pós em Cinema do Complexo FMU, escritora e psicanalista. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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Sílvia Marques

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