Amor

Segurar alguém a seu lado não é amor. É prisão domiciliar

Ahh… moça. Se eu pudesse fazer alguma coisa. É triste, mas eu posso nada daqui para frente. Agora é consigo mesma.

Já lhe disse o quanto me dói assisti-la, tão brilhante, deixar-se amarrar por um sujeito vil disfarçado em pele de bom homem, o marido que comprou de seu pai o seu termo de propriedade e agora manda em sua vida, controla seus passos, vigia seus movimentos.

Alguém que exige a sua presença em casa quando ele chega, que escolhe as suas companhias, que a exibe aos amigos e vassalos como uma caça aprisionada, um objeto comprado com vantagens, uma escrava que o teme e obedece. É triste, mas quanto mais perfeita você for, mais aumentará o poderio de seu dono, orgulhoso de poder cortar-lhe as asas quando queira.

Precisando, eu repito o que penso sobre alguém que em vez de amar a sua esposa sobre todas as outras mulheres do mundo, em vez de ajudá-la a ser o que ela nasceu para ser, em vez de celebrar a sua existência, prefere puni-la pelo simples fato de achar que ela o faz parecer inferior só porque decidiu ser o que ela realmente é. Prefere cobrar dela as coisas que ele tampouco faz.

Em cínica e cruel deliberação, decide jogar nas costas dela a responsabilidade por sua própria incompetência como amante, parceiro, cúmplice. Então se põe a castigá-la por ter falhado ele mesmo como alguém que devia caminhar ao lado dela e defendê-la, protegê-la, tomar suas dores, ajudá-la a voar.

Repito o quanto precisar: é triste assisti-la morrer aos poucos, moça linda, na companhia de um tremendo idiota. É triste vê-la ali, logo ali… ao lado de sua filha, na mesa de um café, protelar o quanto pode o retorno para sua casa, sua prisão, para junto de um algoz ridículo e tacanho que a fez, à força, acreditar que você não tem mais escolha.

Se eu pudesse, moça, tiraria você daí. Abriria a porta da rua e a deixaria fugir. Como em minha antiga fantasia de destrancar as gaiolas dos passarinhos durante a noite. E imaginar as caras de seus proprietários patetas pela manhã, surpreendidos pela verdade óbvia de que não são donos de nada, muito menos de uma vida que nunca foi nem nunca há de ser sua.

Hoje é o dia da independência, moça. Você sabe. Pensei nisso cedinho. E pedi aqui comigo a Deus que lhe mostre o caminho da sua. Quem sabe Ele manda uma equipe de anjos conciliadores dar um jeito nisso. Ajeitar as coisas. Dar-lhe forças para reagir e fazê-la acreditar que sim, que você tem escolha. Que quem manda na sua vida é você e mais ninguém.

Se eu pudesse fazer alguma coisa, moça, eu faria. E faria de novo, de novo e de novo. Mas agora é consigo mesma. E a mim só me resta torcer por você.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

Share
Published by
André J. Gomes

Recent Posts

🍿 Como os cassinos estão se associando a Hollywood para criar experiências inesquecíveis

A relação entre os cassinos e a indústria cinematográfica é uma história de promoção e…

1 semana ago

Ouvir pessoas que sempre reclamam tira sua energia

O dia a dia está cheio de dificuldades e problemas difíceis de resolver para algumas…

1 semana ago

Como perder o medo de ficar sozinho

A sociedade moderna mostra o crescimento de lares com apenas um indivíduo. São pessoas que…

1 semana ago

Por incrível que pareça, pessoas sensíveis são muito fortes

Pessoas sensíveis fortalecem-se porque não escondem o que sentem, o que são, por isso mesmo…

1 semana ago

Não faça drama, faça brigadeiros

É verdade que a vida às vezes exagera nos tombos que dá, fazendo-nos cair dolorosamente,…

1 semana ago

As mulheres que gostam de cozinhar têm as almas mais bonitas e puras

Desde os tempos antigos, a imagem das mulheres tem sido associada a atividades domésticas, como…

1 semana ago