A Luta Antimanicomial é um movimento social, político e técnico que se opõe a prática manicomial, tratamento para as doenças mentais comum até a década de 90, caracterizado por longas internações em hospitais psiquiátricos, condições desumanas de tratamentos, maus tratos, e saberes reduzidos a corroborar com inadequados convencionalismos sociais. Este passado, infelizmente ainda não totalmente distante, aos poucos se destrói e a partir de mudanças políticas, sociais e teórico/técnicas se reconstrói em um novo campo de saber, com práticas antimanicomiais.

Neste novo contexto, propõe-se que as intervenções às enfermidades mentais possam ser devidamente acolhidas, tratadas de modo humanizado, tendo como finalidade a melhora da qualidade de vida dos pacientes e sua reinserção no núcleo social. O sujeito que antes poderia eternamente permanecer trancafiado, atualmente, em tempos de pós-reforma, pode contar com ajuda especializada para se desfazer de suas amarras mentais e sociais, convivendo em comunidade: um direito fundamental enquanto ser humano.

Essa reforma na saúde teve seu marco inicial no final da década de 60 na Europa e se espalhou pelo mundo, ganhando força no Brasil duas década mais tarde. A proposta da Saúde Mental brasileira deriva principalmente do modelo de reforma psiquiátrica italiana e tem como ponto chave a criação de equipamentos especializados em saúde mental, de modo especial os chamados CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e os Serviços Residenciais Terapêuticos (moradias terapêuticas para usuários, em sua maioria ex-moradores de manicômios, que não possuem ou não podem contar com suas famílias para o cuidado e moradia) (AMARANTE, 2007; BRASIL, 2004; 2008).

Nos CAPS, os usuários contam com atividades terapêuticas desde individuais até grupais, passando por psicoterapias, oficinas terapêuticas, atendimento familiar, assembleias, consultas médicas, oficinas de trabalho, atividades de reinserção social, intervenções na comunidade, enfim, tem-se uma oferta ampla, que engloba não só o cuidado mental clínico propriamente dito, mas as incumbências no âmbito da reabilitação psicossocial, norteador básico para o planejamento das atividades a serem oferecidas.

Mas e a Psicanálise, o que tem a ver com isso?

A aposta na mudança do modelo da saúde mental origina não somente novas tecnologias e equipamentos, mas uma rede de serviços substitutivos e em especial a criação de novas maneiras de cuidado. Esta mudança de paradigmas, assim como apontado por Ribeiro (2005, p.36), estão, desde seus primórdios, profundamente marcadas pelas mudanças de paradigma propostas pela Psicanálise ao se organizar como campo de saber a psychē humana.

Freud ao dar voz às histéricas legitima o sofrimento e cria um novo método tendo como base fundamental a escuta aberta para acolher o phatos humano tal como se apresenta, com suas angústias e pulsões mais vívidas. Ribeiro (2005, p.35), destaca com isso a existência de pontos de extrema consonância e proximidade entre a Reforma Psiquiátrica e a Psicanálise: “ambas partem do pressuposto ético de que o louco é um indivíduo com voz, capaz de dizer sobre si mesmo, e de que sua loucura, portanto, não é doença a ser tratada e, consequentemente, curada, mas uma produção plena de sentidos que deve ganhar, no âmbito do sujeito, lugar de existência subjetiva e territorial, contorno, amarrações que viabilizem uma localização (inscrição) desse ser no mundo em que vive. Tratar de um louco seria, dessa maneira, criar dispositivos para que o mesmo possa ter lugar, se territorializar, estabelecer redes com o refinamento necessário para garantir algo que possamos chamar de vida”.

Propõe-se desde Freud fazer de maior instrumento a fala do sujeito, do inconsciente. Assim como pontua Campos (2012), o encontro entre a Psicanálise e a Saúde Mental se faz na capacidade de acolher as palavras e as produções psicóticas, neuróticas ou perversas, e a partir da relação humana criar condições para emergir seus conflitos e a singularidade quanto sujeitos. Tal como o movimento antimanicomial, a Psicanálise constrói seu caminho terapêutico a partir da liberdade, dos desejos e possibilidades de saúde e vida. Uma luta diária pela subjetividade humana.

REFERÊNCIAS

AMARANTE, P. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.

BRASIL. Legislação em saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

BRASIL. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Clínica ampliada, equipe de referência e projeto terapêutico singular. 2. ed. Brasília: Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde, 2008.

CAMPOS, R. O. Psicanálise e saúde coletiva: interfaces. São Paulo: Hucitec, 2012.

RIBEIRO, A. M. Uma reflexão psicanalítica acerca dos CAPS: alguns aspectos éticos, técnicos e políticos. Psicologia USP [on-line], v.16, n.4, 2005.




Psicólogo clínico de orientação psicanalítica, atendendo em Itápolis-SP e Ribeirão Preto-SP. Graduado pela PUC (2014). Mestre pela UNESP (2017). Pesquisador membro do grupo de pesquisa SexualidadeVida USP\CNPq. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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