Historicamente, a maternidade passou da função de cuidar da sobrevivência: alimentação, higiene, vestimenta, para a formação de um sujeito.

“Entre os chimpanzés, como entre os seres humanos, os demais primatas e os mamíferos, em geral, as crias nascem muito imaturas e não sobrevivem sem cuidados maternos intensos e prolongados. Na natureza, os filhotes de chimpanzés mamam com enorme frequência, em intervalos que às vezes não ultrapassam 15 minutos, mas o ato de mamar é de curta duração, variando de poucos minutos e alguns segundos. Além do mais, entre os chimpanzés, o período de aleitamento é excepcionalmente longo, durando em geral de três a quatro anos, o que prolonga e provavelmente intensifica os laços que unem mães e crias.”. Eunice Ribeiro Durham – Professora do Departamento de Antropologia-USP Coordenadora do NUPES-USP.

Com a evolução antropológica do ser humano, o conceito e função materna passaram do simples cuidar para que a vida se mantenha, para que a “cria” sobreviva, para a garantia da formação de um novo sujeito. As mães na atualidade sabem de sua importância e por saber dela, buscam ser, quase que num ato supremo, aquelas que sabem e farão de tudo para criar bons filhos.

Segundo a mesma autora citada (Eunice Ribeiro Durham), na paternidade dos chimpanzés, diferente que da maternidade, não há nada correspondente a relações similares ao desenvolvimento humano. Inúmeros estudos apontam para o fato de que os chimpanzés machos tendem a ser extremamente tolerantes e protetores para com as crias das fêmeas do seu grupo (com as quais, aliás, em geral, tiveram relações sexuais).

O conceito de paternidade foi evoluindo com o ser humano. De protetores carinhosos e tolerantes com as crias de suas fêmeas, passando por provedores do sustento de sua família. Outrora bastava prover, sustentando financeiramente a família, para ser considerado bom pai. Atualmente a função do pai, assim como da mãe, se vê como muito importante para a criação e formação dos filhos.

Formar é um verbo que nos traz a visão de algo acabado, onde há um término, uma conclusão, um “deixar pronto”. Mas o ser humano não é passível de ser terminado, formado ou concluído.

Pais e mães anseiam por deixar “pronto” seu filho para o mundo, buscam garantir que tudo, e a todo tempo seja fornecido ao seu filho. Eles garantem através do conhecimento de pesquisas intermináveis, métodos infalíveis de formar um sujeito bom, uma criança toda boa, beirando a perfeição.

Buscam o impossível: acertar muito e sempre. Assim preparam uma cilada para si: a culpa por não conseguir tal feito.

Diante destas novas responsabilidades que a maternidade e a paternidade se instituem e até mesmo se impõem, a preocupação com o acertar (para formar direito) e a culpa (pois não há como saber se o acerto é real, ou se tentando acertar está errando) são sentidas numa balança cotidiana. Essa culpa é constante e inevitável.

Alguns pais e mães atribuem a seu filho uma rotina quase insuportável, com afazeres minuciosos. Afazeres esses que tornam o relacionamento familiar estressante e estagnado, inclusive para os próprios pais.

As regras familiares possuem o contexto de auxiliar uma rotina tranquila e harmoniosa a todos que convivem. Os afazeres precisam ser divididos de forma a todos, inclusive os filhos, participarem. Para que o sentimento de pertencimento se construa, é preciso ter uma função, um afazer. Logicamente, a criança não desempenhará seu afazer de forma tão perfeita. Através dos erros, o aperfeiçoará.

Ter pais tão perfeitos, tão certos do que estão fazendo, tão bem informados sobre a criação dos filhos, gera filhos que não podem “errar”, que precisam acertar em suas tentativas.

Preocupação e culpa parece que são a sinfonia que rege os pais pós modernos. Ao se preocuparem ou se culparem tanto, perdem o tempo precioso da infância de seus filhos. O tempo de ensinar e aprender. O precioso momento de rir com o equivoco, de se desculpar, de refazer o que não ficou bem feito, faz da casa um lar.

Como o ser humano está em constante aprendizado, em constantes mudanças (nossas células mudam desde que nascemos), esse ideal de maternidade e paternidade de formar o sujeito, buscando acertos constantes, pode gerar mais estagnação e incompletude. Essa estagnação muitas vezes é o que sustentam transtornos e frustrações aos pais e filhos.

Assumir que a “formação” de um sujeito precisa passar pelos equívocos e erros daqueles que lhes são responsáveis, propicia mais leveza na relação de pais e filhos e mais harmonia na formação do sujeito. Um sujeito que poderá equivocar-se, errar e contar com a segurança de continuar a ser amado por seus pais, crescerá mais feliz, autônomo e seguro.Assim, ainda bem que os pais não acertam sempre, pois isso também traz a possibilidade de a criança errar, se equivocar e se constituir em busca de uma formação que é constante e que nunca finda enquanto houver vida.

(Autora: Rachel Canteli, psicóloga, psicanalista e psicopedagoga)

(Fonte: http://rrclinicapsi.com.br)




Psicóloga. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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