A Bela Adormecida é um conto de fadas clássico, cuja versão mais conhecida é a dos Irmãos Grimm, publicada em 1812.

A estória fala de uma princesa que foi enfeitiçada por uma maléfica feiticeira (ou bruxa, ou fada). Essa feiticeira foi desprezada pelo rei na festa de batismo da princesa, e por isso lança um feitiço que fará a princesa e o reino todo cair em um sono profundo, até que um príncipe encantado a desperte com um beijo provindo de um amor verdadeiro.

A Bela adormecida é um conto tipicamente feminino.

O conto começa com um rei e uma rainha que desejam um filho. Nesse começo há um feminino e um masculino na consciência coletiva, que a principio mostra um equilíbrio. Entretanto algo está faltando, pois há o nascimento miraculoso, que caracteriza o nascimento de um herói.

O nascimento da menina é anunciado por uma rã, enquanto a mãe tomava banho. A rã é um símbolo feminino de fertilidade e de sexualidade. Ou seja, na consciência coletiva estão faltando esses aspectos.

O que está faltando está representado na figura da fada negligenciada. Essa figura desprezada representa um aspecto reprimido do feminino na consciência coletiva.

O maior mito da sociedade contemporânea é o de Cristo, ou seja, o do Deus que encarnou em um filho. E esse filho, a despeito da repressão da igreja possui todo aspecto de totalidade incluindo a sua sombra. Mas infelizmente não possuímos um mito com a encarnação da Deusa. A única representante do feminino no cristianismo atual é a Virgem Maria, que infelizmente se apresenta com várias restrições. A imagem da Deusa foi purificada de sua sombra para agradar o patriarcado.

As antigas deusas do matriarcado como Hera e Afrodite apresentavam aspectos de vingança e de sexualidade. Hera diante as investidas sexuais de Zeus buscava se vingar das mulheres, e isso ocorre instintivamente com o feminino. A sexualidade natural e sem compromisso de Afrodite também passou a não ser bem vista na sociedade.

Então a mulher com isso teve de assumir um papel de submissão aos caprichos masculinos e sua sexualidade teve que se restringir ao casamento. Ainda hoje as mulheres com uma sexualidade próxima a Afrodite são julgadas até mesmo por outras mulheres.

Esse aspecto sombra reprimido do feminino, busca hoje sua reaparição na consciência coletiva. Dessa forma podemos interpretar a bruxa como esse aspecto que busca sua aceitação na sociedade.

Acredito que foi necessário para o nosso desenvolvimento psíquico que o feminino, com sua Grande Mãe fossem temporariamente afastado para que pudéssemos desenvolver os aspectos masculinos da psique. Precisávamos de ordem, leis e de objetividade. Mas tudo o que é negligenciado cedo ou tarde reclama a sua volta.

A princesa que vai nascer representa a heroína que será perseguida por essa bruxa e que irá restabelecer os aspectos do feminino ausentes na consciência coletiva. E a fada rejeitada amaldiçoa a bela princesa, dizendo que ela irá morrer aos 15 anos com o dedo espetado em um fuso.

É um tema comum na mitologia a deusa ao ser negligenciada exigir um sacrifício humano de uma representante humana feminina. Exemplos disso: Afrodite ;lque manda Psique ser sacrificada, pois os homens estavam deixando de cultua – lá devido à beleza de Psique. Artemis que exige o sacrifício de Ifigenia, pois seu culto estava sendo abandonado. É típico do feminino não suportar ser ignorada.

O tema do sacrifício, em termos psicológicos, significa que para se alcançar um avanço na consciência, e para uma mudança de atitude a velha forma deve morrer.

Ou seja, para se chegar a um equilíbrio entre masculino e feminino alguém deve ser sacrificado e submetido aos domínios da bruxa.

O rei então assustado com a maldição, manda destruir todos os fusos do reino. O fuso e o ato de fiar são atividades femininas, com as implicações de sexualidade e fertilidade. O fuso é um símbolo das feiticeiras e velhas sabias. O trabalho de fiar ajuda a desenvolver a paciência e a diminuir a atividade febril do animus.

O fuso que pica a heroína também simboliza a observação mordaz que pode envenenar por trás da mulher. Von Franz (2010) diz que as mulheres geralmente não batem a porta ou praguejam, mas lançam uma observação doce, sutil e perfurante, como o veneno da feiticeira que atinge precisamente o ponto fraco do outro. Ou seja, o fuso é uma opinião negativa provinda do animus negativo da mãe que afeta a menina em sua expressão feminina. Isso é muito comum em nossa sociedade, onde vemos isso acontecer, por exemplo, na critica em relação à forma física da menina, que deve seguir os padrões estéticos de magreza. A censura em relação aos seus sonhos ou a sua sexualidade.

Além disso, o tema do sono da morte também é comum na mitologia e nos contos de fadas: Psique cai adormecida ao abrir a caixa de beleza de Perséfone, Branca de Neve cai em sono profundo ao morder a maça envenenada. Isso nos mostra uma característica própria dos contos onde a protagonista é mulher.

O herói geralmente enfrenta bruxas, feiticeiros, dragões. Ele sai em aventuras externas e perigosas A heroína geralmente deve suportar algo. Ela geralmente deve permanecer um tempo passiva como em Branca de Neve e A Bela Adormecida, presas ou exiladas como em Rapunzel e A Donzela sem mãos. Ela geralmente deve ter paciência e fiar como em Rumpulstilsequim, Os Cisnes Selvagens e ainda devem suportar o sofrimento como em Cinderela até que algo mude

Podemos concluir com isso que é uma característica do feminino, tanto de homens quanto de mulheres, a espera, a paciência e o suportar.

No conto a maldição do sono tem a duração de cem anos. Durante esse tempo o reino se tornou estéril e uma parede de espinhos cresceu ao redor do castelo. Muitos heróis tentaram antes desse tempo resgatar a princesa, entretanto foram mortos pelos espinhos.

Isso significa que em um processo psicológico forçar uma situação antes do tempo pode ser fatal para o desenvolvimento da personalidade. Características como a paciência é de extrema importância no processo de terapia. E a paciência os contos nos mostram que é uma característica do feminino. Em nossa sociedade moderna onde o Logos ainda predomina o ritmo frenético e impaciente

Os espinhos também mostram a agressividade por trás do sofrimento. O feminino no conto está dormente, por essa razão não há fertilidade e tudo se tornou árido. Muitas mulheres nesse estado de sofrimento utilizam a agressividade como forma de proteção contra a sua dor. É a famosa máxima: “A melhor defesa é o ataque”.

Mas nenhum ataque ferino de seu animus negativo irá resolver a situação.

Vemos no conto que o desfecho se dá não por uma ação heróica, mas pela espera e pela astucia do príncipe que soube agir na hora certa. Saber agir no momento certo mostra maturidade psicológica. O príncipe aqui não força os espinhos movido por uma vontade egóica, mas ele espera o impulso provindo do seu inconsciente.

Isso mostra que devemos aceitar pro vezes aceitar a situação como ela se apresenta e esperar o tempo certo para agir. E isso não é uma tarefa fácil para nós que estamos em uma época em que privilegia o agir e o acontecer.




Hellen Reis Mourão é analista Junguiana e especialista em Mitologia e Contos de Fadas. Atua como psicoterapeuta, professora e palestrante de Psicologia Analítica em SP e RJ. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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