É bem sabido que a Trilogia inicial de Star Wars é baseada na Jornada mítica do herói Solar. Sobre isso é importante salientar que toda sociedade Ocidental se encontra sob o estigma desse herói que pautou a entrada da era Patriarcal do homem Ocidental.

Erich Neumann em sua obra A História da Origem da Consciência (1995), trata com detalhes esse assunto do herói Solar, afirmando que a consciência do ego tem um caráter masculino e que a relação consciência – dia – luz, e inconsciente – escuridão – noite se mantêm independente do sexo. Ele diz também, que a consciência é masculina mesmo nas mulheres, assim como o inconsciente é feminino. Ele então define a consciência patriarcal, que se separa do inconsciente e fica livre de suas influencias.

Essa fase da humanidade foi muito importante para o desenvolvimento da intelectualidade, tecnologia e cultura, No entanto, a figura arquetípica herói solar possui alguns aspectos negativos, que quando unilateral se torna destrutivo: ele é separatista, pautado na perfeição e não na completude, tem medo da morte e do inconsciente e não aceita o seu destino.

Star Wars – O despertar da Força também segue o script da Jornada do Herói. Mas de forma incomum, tendo uma mulher como heroína. Na primeira trilogia, o herói Luke segue bem a cartilha do típico herói mitológico. Luke é o escolhido, aquele que vai restabelecer a situação saudável e acabar com o mal. Como se trata de uma Jornada do Herói então temos um rito de passagem para a heroína.

Portanto, para Neumann, a mulher moderna, assim como os homens, possui uma consciência patriarcal e um ego denotado pelo herói masculino. Ou seja, o herói Solar. O herói solar típico possui aspectos de uma consciência patriarcal que ao buscar a perfeição exclui os defeitos e o mal, por essa razão o herói usa a espada para cortar o mal e assim ela exclui a totalidade.

Em “O Despertar da Força” ainda vemos aspectos do herói solar na heroína Rey, mas agora com diferenças marcantes. Diferenças essas que refletem mudanças em nossa sociedade Ocidental, necessárias para sairmos da unilateralidade.

Para iniciar é importante analisar Rey, a heroína em questão.

A moça é bem diferente do grande herói de Star Wars, o Luke Skywalker. Ela não é indefesa e não tem duvidas quanto ao que deve fazer. Apesar de não se imaginar uma Jedi ela não foge das responsabilidades. No entanto, ela ainda possui traços do herói solar: assim como Luke está em busca do Pai e sua figura é um tanto perfeita demais.

O Pai na psicologia analítica simboliza a realização externa, a segurança material, a eficiência, a realização profissional. Ou seja, tudo aquilo que é voltado para a realização no mundo externo. E essa premissa é o que ainda norteia nossa sociedade, à custa de uma separação do mundo interior. Contudo, o filme mostra já algumas mudanças em relação a esse tipo de consciência e parece que há uma busca por equilíbrio, mesmo que lenta.

Já vemos uma mulher passando por essa jornada, coisa que não vemos nos outros filmes. Apesar da Princesa Lea ter um importante papel na trama, ela nunca tem o verdadeiro destaque. Além da garota Rey que é catadora de sucata, temos um negro, dissidente do lado negro e que auxilia Rey e que também irá passar por uma jornada semelhante de autodescoberta. Vemos então figuras perseguidas pelo preconceito com destaque de heróis.

O mais interessante no filme é que Rey não é heroína sozinha. Nos filmes anteriores, Luke resolvia os problemas, já nessa nova versão vemos uma equipe trabalhando junta. Não é Rey quem desativa os escudos, não é ela que destrói o Starkiller. Isso mostra uma mudança significativa, pois hoje vemos cada vez mais que precisamos do outro (uma típica característica da Era de Aquário), e que a busca de realização pessoal não pode mais ser centrada em nosso próprio ego.

Para Jung, a individuação é um processo de diferenciação que tem por meta o desenvolvimento da personalidade individual. Assim como o individuo não é um ser isolado, mas supõe uma relação coletiva com sua existência, do mesmo modo o processo de individuação não leva ao isolamento, mas a um relacionamento coletivo mais intenso o geral (JUNG, 1991).

Outro aspecto importante a se observar é o vilão do filme: Kylo.

Apesar de diversas vezes se apresentar como fraco, ele também apresenta uma dimensão bem humana. Ele questiona algumas vezes seus atos e se emociona com o lado luminoso as Força. Ele é apenas um garoto mimado que precisa se sentir forte e se destacar; por essa razão se aproximou do lado sombrio da força.

Kylo simboliza aquele que sucumbe à sombr. Que não estabelece uma relação com seu inconsciente, nem com seu processo de individuação. Ele também mostra algo sintomático: quando tentamos excluir o mal, para nos tornarmos perfeitos, somos pegos pela sombra e dominados por ela.

Ele é oposto de Rey, responsável e madura. Quantos jovens hoje não se encontram infantilizados como Kylo. Temos uma sociedade que não aceita responsabilidade, pressão, quer tudo na hora e faz cenas (como Kylo fez diversas vezes no filme). Ele também mata seu pai, mostrando o tema edípico que pautou a psicanálise e o inicio do estudo do inconsciente.

O parricídio é um tema constante na Mitologia. Newmann (1995), aponta como uma fase do desenvolvimento da consciência do herói, tanto para o homem quanto para a mulher. Simboliza o afastamento do inconsciente e o medo do herói de ser castrado e morto. Édipo, conforme os estágios de desenvolvimento do herói solar, foi o matador de dragão (esfinge), que simboliza a Grande Mãe e assassino de seu pai.

No entanto aqui cabe o questionamento sobre essa teoria que pauta até hoje a Psicologia Analítica. Édipo falhou em sua jornada. Sua falha foi justamente a de não aceitar o seu destino: ao fugir dele, simplesmente corre em direção a ele. Ele mata literalmente seu pai e, ao final, sucumbe ao incesto, ficando cego.

A cegueira é, como aponta Neumann (1995), uma das formas de castração. Uma castração que vem “de cima”, sendo uma fase arquetípica do herói-sol que é castrado e devorado.

Édipo não encontra a Anima, ou melhor, ela ainda se encontra contaminada pelo complexo materno. Ele deveria libertar o aspecto fecundo e benéfico do elemento feminino, mas falha nisso, regredindo ao estágio de filho. Segundo Neumann (1995), ao assassinar o pai, Édipo se rebela contra a velha lei, os velhos costumes, e a consciência moral existente, pois o pai incorpora o sistema cultural dominante no meio ambiente do filho.

No entanto, no filme, ao matar o pai Kylo se torna mais fraco e Rey mais forte. Ele não se torna um herói. Na verdade, Kylo possui duas figuras paternas: seu pai biológico e um pai espiritual Snoke. Esse pai divino na Mitologia costuma ser positivo e, no entanto aqui ele é a força do mal. Aqui fica o questionamento: a figura de Kylo é trágica como Édipo e se torna fraco enquanto a moça cresce em força, talvez devêssemos desenvolver um novo olhar sobre essa teoria.

Muitas supresas nos aguardam para o próximo episódio. Kylo irá enfrentar seu tio materno, Luke? Segundo Neumann (1995), é o portador daquilo que denominamos “céu”, símbolo da masculinidade. O tio materno representa a lei coletiva, a consciência ética. Com esse enfrentamento talvez consigamos observar as mudanças, pois será através dele que o elemento feminino poderá trazer a união de ambos aspectos, para que a sociedade ocidental chegue mais perto da completude.




Hellen Reis Mourão é analista Junguiana e especialista em Mitologia e Contos de Fadas. Atua como psicoterapeuta, professora e palestrante de Psicologia Analítica em SP e RJ. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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