Ela crescera embalada pelos contos de fada, sonhando encontrar um príncipe encantado, para com ele viver feliz para sempre. Felicidade então significava estar com um homem, ter um marido, um lar, filhos, numa vida rodeada de eletrodomésticos de última geração.

E foi assim que se tornou uma adolescente insegura consigo, com a própria imagem, uma vez que teria que parecer interessante a algum rapaz de família. Nesse percurso, foi se esquecendo de si mesma, do que realmente sentia, era e queria, sufocando sua identidade sob aquilo que lhe disseram ser o certo.

Porque estava insegura e vulnerável, entregou-se a homens errados, doando-se sem receber nada em troca, aceitando metades, resignando-se, como se ela fosse sempre a culpada. A vida cor de rosa que havia idealizado ruía diante da frieza, da insensibilidade, da maldade alheia. Ela não se preparara para o mundo em que o “felizes para sempre” era raridade, artigo de museu.

Cada vez mais desiludida, chegou ao fundo do poço, com a cara e a alma quebradas, sentindo-se a pior das criaturas, alguém que não merecia ser feliz. Tentou mitigar a dor em vão, sob o efeito de álcool, tranquilizantes e afins. E porque se esvaziara de si mesma, não criara laços fortes com ninguém com quem pudesse dividir a dor. Na solidão, teve que se enfrentar sem rodeios, ou não sobreviveria.

Sozinha em meio à sua escuridão, para que não se perdesse para sempre, como que por instinto de sobrevivência, passou, lenta e dolorosamente, a voltar os olhos para si mesma. Foi se descobrindo como um alguém, foi se vendo como uma pessoa, dando as mãos ao que havia de melhor dentro de si, pois sempre há, por mais que tentemos enterrá-lo.

Recomeçou, enfim, iniciando a jornada em busca de si mesma e acabou percebendo que poderia, sim, ser feliz sozinha, caso não encontrasse alguém. O amor próprio finalmente tomou conta de seus sentidos e o espelho tornou-se seu aliado, complementando a inteireza de suas verdades mais íntimas. Não, não mais aceitaria migalhas, não mais colocaria a felicidade lá fora, não mais se culparia pela covardia alheia.

Hoje ela ainda não sabe muito bem o que quer, mas tem certeza do que não quer, do que não aceita, do que jamais trará para junto de si. Agora ela se ama e ninguém mais poderá ferir o seu coração. Ela é linda, porque se sente linda e isso basta. Dizem que ela é difícil e fechada para o amor. Ela, porém, apenas tem a certeza e a determinação de não permanecer perto de quem não sabe o que é troca, compartilhamento, cumplicidade.

Ela ainda iria quebrar a cara, óbvio, mas agora saberia distinguir qual era o peso dela naquilo tudo, não mais acumulando somente em si mesma as responsabilidades para o amor dar certo. E ela seria feliz, simplesmente porque ela estava pronta para amar de verdade. Agora ela era alguém de verdade.




Graduado em Letras e Mestre em "História, Filosofia e Educação" pela Unicamp/SP, atua como Supervisor de Ensino e como Professor Universitário e de Educação Básica. É apaixonado por leituras, filmes, músicas, chocolate e pela família. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

1 COMENTÁRIO

  1. Apenas isto, cada vez me apaixono por estas, postagens, tocam a ” alma” e nos remete a realidades vizinhas, a psicanálise aberta, como forma de fazermos as pazes, com nossas vidas. Obrigada.

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