Quando fiquei “internada” com minha mãe, acompanhando o seu tratamento contra o câncer, durante o transplante de medula pelo qual precisou passar, vivi situações que me fizeram pensar muito sobre a arte de viver.

Lá no hospital, na ala das pessoas que lutavam contra o mal do século, havia gente muito jovem e aparentemente saudável. Gente lutando contra a leucemia, câncer nos órgãos e outras displasias.

Um psicólogo com o seu violão apareceu por lá (talvez não exista terapia melhor que a música para situações como essa) para levar alegria aos internados e familiares. Mas ninguém parecia querer sair do quarto. Minha mãe, que nunca deixou a peteca cair, levando o seu Brad Pitt (ops, soro) a tiracolo no corredor da ala de internação, colocou o seu vozeirão para fora e, junto com o psicólogo, começou a cantar a popular e bonita canção “Saudosa Maloca” de Adoniran Barbosa.

Outros pacientes ouviram o “grande espetáculo” e não se contiveram. Do mesmo modo, colocaram-se para fora do quarto do hospital e a saudade de casa, do lar, fez com que também cantassem. Primeiro chegou uma, depois outra e, quando vimos, o corredor estava cheio de pessoas, transbordando esperanças, saudades e real desejo de recomeçar. Aglutinaram-se todos, pedindo para que o psicólogo executasse também outras músicas.

Os mais moços, na casa dos 18 aos 23 anos, queriam composições de rock. Em vista disso, o “músico psicólogo” começou a tocar “Tempo Perdido” da inesquecível banda Legião Urbana. Nunca uma canção fez tanto sentido para mim. Vi jovens de dezenove, vinte anos, cantando a música com verdadeira comoção, sentindo tudo aquilo como a sua própria realidade.

Refleti sobre a vida aos dezenove, vinte anos. O que as pessoas fazem aos dezenove ou vinte e poucos anos? Em regra, somos felizes, românticos e cheios de sonhos. Hospital é algo que passa longe de nossas cabeças nessa faixa etária.

Mas pode não ser assim.

Afinal, o câncer não escolhe a idade.

O câncer não escolhe a tristeza. Gente feliz também tem câncer.

O câncer não escolhe os sisudos. Sorridentes e sonhadores também têm câncer.

O câncer não escolhe os feios. Gente bonita também tem câncer.

O câncer não escolhe os gordinhos. Atletas também têm câncer.

O câncer simplesmente não escolhe e, às vezes, temos de lidar com ele quando menos esperamos.

Comecei a entender e a interpretar melhor a canção “Tempo Perdido” de Renato Russo, a preferida de um dos jovens pacientes, um menino de dezoito anos. Devo dizer que essa música também marcou o meu coração.

“Todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou, mas tenho muito tempo…

Temos todo o tempo do mundo!”

Sim, a juventude, a saúde nos fazem ter a sensação de que temos todo o tempo do mundo, que estamos no controle, mas na verdade não sabemos.

E, então, me pergunto, por que lutar pela vida? Por que nos submetermos a tratamentos extremamente invasivos para termos mais tempo? A resposta é simples.

Porque a vida é um presente lindo e o mundo, apesar de todas as dores, é nosso. Estamos nele inseridos e fazemos parte disso tudo. Faz, por isso, mais sentido e, também, todo o sentido brigar por um mundo melhor. Afinal, de que vale lutar tanto pela vida se não houver, concomitantemente, a esperança de um mundo melhor, atitudes sinceras que façam do planeta Terra um lugar melhor para viver…?

O que nos resta é não esquentar com coisas pequenas, que nos levam tanto tempo e tanto desgaste. E não se deixar levar pelo pessimismo que impera nos corações vazios. Lutemos, enfim, por aquilo que sonhamos, por aquilo em que acreditamos, sem compactuar com as desgraças e as maldades que ainda circundam o Globo. Afinal, estamos aqui no mundo…com saúde ou não, mas VIVOS!

Não nos esqueçamos, contudo, de Renato Russo e de sua bela e realista canção, que diz “ todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou”…

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Mestre em Direito Constitucional. Autora do livro "O empregado portador do vírus HIV/Aids". Criadora do site pausa virtual. "Buscando o autoconhecimento, entendi que precisava escrever sobre temas universais como a vida, o amor e a fé". É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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