Julho de 2016 é um marco importante no mercado de aplicativos no mundo todo: Pokémon Go foi lançado em boa parte do planeta. Em pouco tempo ele já se tornou o jogo de celular mais baixado de todos os tempos, ultrapassando 75 milhões de usuários.

Mas como explicar essa adesão tão rápida? O que este jogo pode trazer de benefícios para os seus jogadores? Quais os riscos? Por quê o time azul é o maior time? Qual a psicologia por trás disso tudo?

Vamos começar com um exercício. Pense em algo positivo e icônico que marcou a sua infância. Pensou? Agora pense em alguém que tem aproximadamente a mesma idade que você. Imagine agora que vocês estão sentados em uma mesa e essa pessoa puxa um assunto sobre o tema. É muito provável que vocês vão ter papo para a noite toda. Isso acontece porque a sensação de nostalgia é uma forte ferramenta para criarmos nossa noção de grupos (Wildschut, 2014). Automaticamente vocês têm algo em comum e aumentam as chances de terem uma interação positiva e de cooperarem.

Pokémon Go traz justamente essa ideia como sua principal base. A maior parte de seu público é composto de pessoas que cresceram assistindo ao desenho animado ou jogando os jogos da saga. Assim, este novo jogo acaba atraindo um grande público logo de cara: pessoas que gostam daquele assunto. Ao agrupar tanta gente de uma vez, cria-se outros dois públicos: pessoas que nunca tiveram oportunidade de conhecer as criaturas, mas que tinham curiosidade; e pessoas que nem fazem ideia do que é, mas pensam: “poxa, tá todo mundo falando nisso e quero saber o que é”. E isso só é possível por se tratar de uma marca comercial muito forte, capaz de criar este que chamamos de efeito manada, onde grupos de pessoas seguem um fluxo específico.

Um segundo fator que explica bastante esse avanço rápido do jogo é a questão de acessibilidade. Muitas pessoas deixam de jogar videogames não por falta de interesse, mas por dificuldades em se adaptar aos controles. Quando você implementa uma tecnologia ou ideia antiga a uma plataforma nova, e de fácil acesso –  como interfaces touch –, fica muito mais fácil aumentar a adesão de um público ao seu game. Angry Birds foi um dos pioneiros nisso: incluiu um estilo de jogo que já era consolidado em uma interface intuitiva e que qualquer um poderia usar: você toca na tela, puxa o estilingue e atira pássaros por aí. Mesma coisa no Pokémon: você arrasta a pokébola e tenta capturar os monstrinhos.

Vamos a uma curiosidade: o jogo possui três times: Valor, Místico e Instinto (vermelho, azul e amarelo, respectivamente). Você sabia que o time azul corresponde a 42% dos jogadores? Mas o que faz este time puxar tanta gente para o seu lado? Bom, daí vamos a dois aspectos psicológicos muito bacanas.

Primeiro, azul é a cor que representa racionalidade, pensamento calmo e intelectualidade. Estatisticamente falando,  em jogos de videogame onde é necessário agir rápido e ter bons reflexos, se o time for da cor vermelha, isso faz com que os jogadores tenham vantagem! Já quando se trata de um jogo de estratégia, em que você tem que parar e pensar, os times azuis vencem mais. E isso ocorre mesmo quando os jogadores têm as mesmas habilidades! Pokémon Go é um dos jogos que focam em estratégia, calma e ações planejadas.

Segundo, quando o jogo te apresenta a tela de seleção de times, um deles acaba ficando no meio. Adivinha qual é? O time azul. Nosso cérebro funciona por rotas que poupam trabalho, e como a  nossa visão é focada no centro, os outros times (vermelho e amarelo) recebem menos atenção do que deveriam. Fica a dica para você que trabalha com marketing: se você apresenta três opções a uma pessoa, a chance mais alta é de ela escolher a opção do meio.

fasdapsicanalise.com.br - Qual a psicologia por trás do sucesso de jogos como Pokémon Go?

Pokémon Go segue uma fórmula psicológica simples, porém extremamente poderosa no design de videogames: o jogador é recompensado em algum momento, fazendo pouco esforço, e sem saber quando isso irá ocorrer (chamamos isso de esquema de reforçamento intermitente). Entendendo melhor: você sai andando por aí e encontrará um pokémon qualquer – mas não sabe onde e nem quando isso vai acontecer. Para capturá-lo, basta arrastar o dedo na tela de forma a jogar uma bola no bichinho (este é o esforço). Pronto. A mecânica do game é essa. Simples, fácil de executar e que recompensa os jogadores. Candy Crush, um outro game mobile que bombou, segue a mesma fórmula de recompensas.

A partir daí temos dois outros sistemas poderosos de gamificação: competição e cooperação (Wang, 2011). Dentro do jogo, você pode escolher um dos três times disponíveis. A partir daí, você trabalha com seus parceiros para conquistar lugares em sua cidade e ganhar prêmios por isso. Só que os outros dois times também querem o mesmo, e vocês usam seus pokémons para disputar por estes locais. É como se fosse um jogo de colecionar figurinhas: o tempo todo você é estimulado a encontrar pokémons mais fortes para não ficar para trás, reiniciando o ciclo.

O problema é que este ciclo é altamente viciante. O jogador deve possuir uma boa capacidade de autocontrole para saber quando é a horar de parar e quando é a hora de recomeçar. Só que nem todo mundo tem essa capacidade. E é aí que mora o risco do vício (importante salientar: é uma possibilidade, e não uma regra!). Para crianças é mais fácil: os pais podem regular este tempo. Mas para adultos, a coisa complica um pouco mais e acaba dependendo muito mais de habilidades de autocontrole do que de outros fatores.

Além disso, existe um lado muito bom! Como o grande objetivo do game é sair na rua e capturar pokémons, ele acaba trazendo benefícios ao longo deste processo. Dentre eles, está a oportunidade de os usuários interagirem com pessoas que elas provavelmente não estariam interagindo, além de fazer exercícios que eles provavelmente não estariam fazendo. Isso quebra aquele estigma do típico jogador de videogame como uma pessoa antisocial e sedentária.

Temos de entender que grande parte destas características não são exclusivas do game Pokémon Go, outros games também as possuem. Aliás, não são exclusivas sequer de videogames. Podemos vê-las em jogos de tabuleiros, cartas, e muito mais. Pokémon Go foi aquele que conseguiu implementar tudo que você leu neste texto de forma harmônica, e isso explica o motivo de tanto sucesso.

Porém, temos de entender algo importante: como um dos fatores que leva mais jogadores a jogar o jogo é o efeito manada, com o tempo as pessoas acabam se dispersando. O número de jogadores do game deve reduzir drásticamente. E se não houver boa administração por parte dos desenvolvedores do game, que deverão tentar mantê-lo interessante e implementar novos esquemas de recompensas, é bem possível que ele seja mais um daqueles jogos esquecidos da sua loja de aplicativos.

Autor:  Emanuel Querino é Neuropsicólogo, Mestrando em Medicina Molecular pela UFMG e pesquisador sobre efeitos dos jogos de Videogame (tanto positivos quanto negativos) sobre a cognição.

Fonte: http://www.iluminaneurociencias.com.br/artigos/qual-a-psicologia-por-tras-do-sucesso-de-jogos-como-pokemon-go-angry-birds-e-candy-crush/

Referências:

Wang, H., & Sun, C. T. (2011, September). Game reward systems: gaming experiences and social meanings. In Proceedings of DiGRA 2011 Conference: Think Design Play (pp. 1-12).

Wildschut, T., Bruder, M., Robertson, S., van Tilburg, W. A., & Sedikides, C. (2014).Collective nostalgia: A group-level emotion that confers unique benefits on the group. Journal of Personality and Social Psychology, 107(5), 844.

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3 COMENTÁRIOS

  1. A verdade foi dita.
    Eu mesmo sempre odiei Pokémon, pois achava o desenho infantil demais e tedioso. Porém, com essa mecânica excelente do jogo, eu resolvi jogá-lo e gostei, mas que fique claro, gostei do jogo e aceito os bichinhos que pelo menos no jogo não ficam repetindo seus nomes. Já o desenho ainda odeio.
    É um jogo divertido e interessante, também vem o efeito manada junto, mas por enquanto vale a pena.

  2. Eu acho a propósta do jogo interessante, mas a gente tem que discutir dentro de uma perspectiva mais contextualizada, é preciso falar da discrepância entre a realidade social para a qual o game foi desenvolvido e a nossa, onde a infraestrutura e a violência urbanas são problemas graves. Até que ponto os jogadores se expoem á riscos como assaltos e acidentes urbanos? Vale realmente o risco?

  3. Infelizmente é mais um forma de fanatizar as pessoas, ou seja, tirá-las da realidade, o que é sério perigo. PAIS! Prestem mais atenção em seus filhos! Vejam bem se não estão sendo usados maldosamente pelo mundo virtual! Cuidado, cuidado!

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