Tinha medo das coisas passadas e das que viriam. Andando entre aqui e ali não achava lugar pra escapar do futuro. Tinha medo da velhice. Fechava a porta, ouvia as batidas insistentes dela, mas não abria. Dormia e se via criança, bailando no vento. Daqui a pouco, adolescente, sonhando com aquelas coisas que a gente sonha pra quando crescer.
O medo fazia ela se esconder. As fotografias espalhadas pelos móveis contavam de alguém que não estava mais ali. Os cremes transbordavam nos armários, pedindo espaço para os anos atuais. Negava a idade, negava a vida.
Sábia, a velhice entrava sorrateira pela casa. Após o banho, escondida no espelho, aguardava. Enxergava e brigava com a vida, chorava, não gostava daquela pessoa que imitava seus gestos. Secava os olhos e buscava roupas que dessem conta das suas mentiras, insuficientes, como haviam sido seus dias diante dos caminhos sonhados e não percorridos.
A velhice, vestida de gentileza, era vista como bruxa. Em sonhos tentava sussurrar cantigas de paz como se, assim, arrumasse um lugar pra ficar. A dona da casa despertava raivosa, os sonhos viravam pesadelos. Não entendia sobre os “decertos” da vida, sabia pouco de generosidade.
Estava presa. Caminhava pelas ruas do passado como quem vai à padaria. Nessa intimidade diária dava as mãos para os não possíveis da sua vida e impedia a passagem que a levaria aos canteiros da sua alma. Tinha medo da velhice, tinha medo da vida. Morrera e não sabia…
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