A vida vai seguindo, sem grandes dificuldades. Tenho meus planos, minhas tarefas. Tudo vai transcorrendo bem. Então algo me desestabiliza.

Meu irmão realiza algo que eu julgo errado. Ele quer fazer o arroz para o almoço, mas não gosta de colocar muito sal. Acho que deveria ser diferente e me irrito com ele. Ele me diz que vai colocar outros temperos, que vai ficar bom. Mas entendo firmemente que seria melhor da minha maneira e a discussão continua.

Todas as horas seguintes de meu dia passam a girar em torno disso. Começo a pensar e me queixar de que fulano é sem noção, sem habilidade.

Existe um ponto muito interessante nesse exemplo colocado acima. A pessoa se irritou com o fato de que a sua meta de sabor, o seu “deveria ser” foi alterado pela ideia de outra pessoa.

Colocar em questão algo que já estava certo, o irritou, o tirou da tranquilidade habitual com a qual ele prosseguia sua vida. Ele se deparou com a liberdade de escolha e de pensamento do outro.

Leia mais: O que há por trás da irritação frequente?

Está aí um desafio. Compreender, aceitar e respeitar a escolha das outras pessoas que coexistem conosco. Seja no contexto familiar, no ambiente de trabalho, entre amigos, nas redes sociais, nas ruas, enfim, em todos os locais de convivência humana existem astros com órbitas próprias transitando. Às vezes estes entram em rota de colisão conosco.

Como é fácil dizer que a rota do outro que estava equivocada! Como é fácil olhar para a escolha do outro – mesmo quando não nos afetam diretamente – e maldizê-la. Mas as outras pessoas são sempre livres para fazerem suas escolhas. Assim como cada um de nós.

Mas, Vitor, então você está assim dizendo que as pessoas todas têm condições de fazer as mesmas escolhas? Uma pessoa que vive numa tribo africana dificilmente fará as mesmas escolhas de uma pessoa que vive em um contexto ocidental americano, por exemplo.

Não estou dizendo isso e nem estou entrando no mérito da causalidade das diferenças. As pessoas são diferentes, os contextos são diferentes, logo as escolhas e ideias serão diferentes. A questão é que nenhum contexto, ideia ou escolha será melhor que outra, absolutamente falando.

São atitudes autênticas, coerentes com toda a história de quem as toma. Aceitar isso pode ser muito difícil, mas extremamente libertador.

Leia mais: Atenção às escolhas: elas modelam nossas vidas

Também não estou dizendo que isso implica em uma atitude de passividade frente às escolhas do outro. Se a outra pessoa vai me prejudicar, nada mais natural que eu buscar me defender. Só não posso negar que a outra pessoa está fazendo uma escolha, por mais inconsciente que seja, e que ela é livre pra isso.

O que vai transcorrer daí é outra história. Se ela vai acabar respondendo na justiça pelo que fez, se eu vou me defender e vou frustrar a pessoa…enfim, isso é outra conversa. Mas as pessoas são sempre livres, até mesmo pra se equivocarem e responderem pelas escolhas.

Compreender isso é libertador. Essa atitude me possibilita oferecer ao outro o respeito necessário para que eu compreenda a minha liberdade de fazer escolhas. Passo a respeitar a mim mesmo.

Todo incômodo que sinto pela escolha do outro, apenas mostra que eu acho que as coisas deveriam ser sempre do jeito X ou do jeito Y. Se as coisas sempre devem ser feitas desse jeito, estou também eu aprisionado a um ideal. Não permito ao outro escolher, e não me sinto bem com a possibilidade de ser livre para escolher também.

Permitir ao outro escolher é um caminho seguro para me desvencilhar de “deverias”, e ser assim mais fiel a mim mesmo.




Psicólogo, reside no Rio de Janeiro e é colunista do site Fãs da Psicanálise.

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