A internet, o avanço tecnológico e científico trouxeram muitos benefícios para a humanidade. Nunca, em nenhum outro momento histórico foi tão fácil e rápido compartilhar notícias, momentos e informações. As vantagens da pós-modernidade são incontáveis, entretanto como diria Drummond: “tinha uma pedra no meio do caminho”.

Drummond foi um marco na literatura brasileira por imprimir novos rumos ao modernismo poético. Neste contexto, pretendia confrontar os esquemas literários rígidos e cheios de padrões, propor reflexão e escrever a profundidade da experiência humana em versos livres.

Drummond não pôde pensar sobre a pós-modernidade, nem vivenciou a revolução provocada pela popularização da internet e do avanço técnico-científico, entretanto, compreendia o que poderia eclodir do avanço moderno de sua época.

Tal como o poeta, é necessário olhar novamente o mundo e enxergar além das formas rígidas, que agora se apresentam enquanto imagens e telas humanas descontextualizadas de alma. No cenário da história atual é preciso ter criticidade à naturalização do modelo de perfeição quase robótica, assim como sua ideologia de resolução instantânea e uniformização de dores, medos, angústias, desejos, padrões éticos e estéticos.

Essa representação da vida é pautada em um enfoque virtual pré-determinado de uma parte que nem sempre representa o todo e anula sua essência. Tal enquadre ocupa a posição de válvula de escape da complexa realidade existencial e subjetiva. O que não é necessariamente ruim, desde que não impossibilite o viver real e criativo.

A vida real não cabe em definições e normalizações: é diversa. É imperfeita, com momentos de tristezas e angústias. É rotineira, delongada, com pedras no caminho. Entretanto não é ameaçadora, tampouco deve ser evitada, pois é nela que as reais possibilidades de crescimento existem. É preciso saber que a tristeza é parte e muitas vezes necessária como um momento de elaboração anterior a uma mudança. Certa rotina e lentidão de acontecimentos dão possibilidades para analisar, sentir, e trazer o equilíbrio para executar e possibilitar a criação. As pedras no caminho são necessárias, caso contrário não haveria o fortalecimento das pernas ao ultrapassá-las. No mundo real precisamos enfrentar para sair do lugar. Se enfrentar a realidade dói, não enfrentar dói ainda mais.

Mesmo que inconscientemente, sabemos que o importante na vida se dá através da experiência real e puramente humana. Faça um simples teste: lembre-se de algo especial e marcante em sua trajetória até aqui. Tal memória raramente será virtual, provavelmente estará relacionado com algo vivido na realidade, na imperfeição, mas eterno.

Drummond e a modernidade nos instigam a tais reflexões. Não existe resposta definitiva, entretanto talvez seja certo acreditar no poder do equilíbrio entre a realidade e a virtualidade, entre o ancestral e o moderno, emoção e razão, inconsciente e consciente. Saber dosar e aproveitar a potencialidade presente em cada boa experiência, e independente de sua espécie, que seja vivida em seu âmbito mais profundo, produtivo e real.
Não negando as pedras, podemos criar escadas.

“Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra”

Carlos Drummond de Andrade

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Psicólogo clínico de orientação psicanalítica, atendendo em Itápolis-SP e Ribeirão Preto-SP. Graduado pela PUC (2014). Mestre pela UNESP (2017). Pesquisador membro do grupo de pesquisa SexualidadeVida USP\CNPq. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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