Sobre experiência estética, John Dewey fala poeticamente: “(…) pela arte somos levados à além de nós mesmos. A fim de encontrarmos a nós mesmos”. Segundo a filosofia de Dewey, o processo artístico pode ser comparado com um processo orgânico. Luigi Pareysonjá dizia que a filosofia de Dewey é uma filosofia da operosidade humana, mostrando que através de uma trajetória de gestação, incubação, nascimento, crescimento e maturação, se chega à obra, acumulando uma série de atos reativos em direção de um cumprimento e de atos seletivos que contribuem para a interpretação de todos os fatores numa totalidade.

Ainda refletindo sobre a experiência, Claudio Montoto no seu artigo “Como Matamos a Experiência”, considera que a tendência atual dos sujeitos se determina pela vivência: fazer uma infinidade de coisas, ocupar o máximo possível as horas do dia com tarefas e compromissos, conectar-se de forma superficial e acelerada com um número enorme de pessoas. Vive-se correndo atrás do tempo, mas ele é justamente aquilo que mais falta: o tempo que vale a pena ser vivido foi esquecido. E essa dinâmica existencial acaba se sobrepondo-se a experiência, um compartilhamento de sentidos com outro, uma escuta real e atenta que transforma vivencia em experiência.

Aqui, o papel da arte não poderia ser outro, mas tecer articulações envolvendo um enriquecimento interno decorrente do encontro inevitável com o desconhecido e com o familiar. A busca é por um encontro com signos contextualizados, que extrapolam sentidos e criam narrativas conectadas. Se cinema é ilusão e na experiência estética também se torna arte, a brecha para o novo se amplia, assim como outras formas de representações possíveis, o que traz à tona novos sentidos existenciais para os sujeitos.

A área da ilusão possui um papel de suma importância na constituição e na manutenção do sentido de realidade, fundamental para a formação da subjetividade humana. O ato criativo, movimento de ruptura que se dirige ao novo, mantém esse paradoxo entre o EU e o Mundo, lugar privilegiado para a criação de novas formas de existir. Donald Winnicott foi muito perspicaz na descoberta do espaço potencial, lugar do dentro e do fora, da criação e recriação, ilusão e fantasias tão necessárias para não sermos invadidos pelo concreto.

Adentrar no mundo das artes incentivou a autora a aprofundar seus estudos sobre psicanálise em um diálogo constante com o universo da criação artística. O ator, diretor e fundador do Teatro de Arte de Moscou (TAM), Constantin Stanislavski (1863-1938) expressa: “Aprendam a amar a arte em vocês mesmos, e não vocês mesmos na arte”. Assim, não apenas a experiência estética propicia esse encontro, mas amar a arte em nós mesmos parece ser possível na clínica da cultura psicanalítica, lugar do discurso, do inconsciente e, por que não, da poesia?

A autora reflete que olhadas pelo viés dos processos oníricos, a interpretação e análise semiótica psicanalítica da arte da vida mostra que é preciso sonhar junto com a obra artística para se compreender mais profundamente as imagens das palavras, dos silêncios e esperas. Aqui, sonho não é sono, nem acontece somente quando se dorme. Refere-se nesse trabalho a uma sensibilidade necessária no campo de interação sujeito-cultura-arte para que os espaços se abram internamente, expandindo a percepção dos processos simbólicos, justamente, no esgarçamento do inconsciente que escapa.

Assim, a proposta desse ensaio sobre poesia e cinema se configura como um afastamento de si na aproximação com as palavras, os nomes, ditos e não-ditos. Buscando sentidos e significações para encontrar os tantos outros que constituem a multiplicidade do processo de ser sujeito, se proporciona, sem perder os próprios contornos, um retorno mais ampliado para o verdadeiro self.

(Fernanda Fazzio, escritora, psicóloga e psicanalista)

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