Foi assim o acontecido.
Aniversário de 75 anos de vó Zizi. Na mesma data, comemoração das bodas de ouro com vô Nofrinho. Sobrado cheio de filhos, netos, bisnetos – bacalhoada. Chegou o momento de cortar o bolo. Todos falavam ao mesmo tempo:

– Corta o bolo de baixo pra cima, vó!
– Não fala o “desejo” senão ele não acontece, hein?

Foi aí que vô Nofrinho surpreendeu a todos:
– Este ano vamos contar a todos o nosso “desejo”, meus filhos…
Protestos, assobios, gritos. Mas vô Nofrinho não se abalou:
– Sua avó e eu queremos experimentar um baseado.

Um silêncio sepulcral envolveu o ambiente. Vó Zizi continuou:
– Tudo que a gente vê fala dessa erva. É filme, é música, é artista fumando. Agora, com essa idade redonda, nós queremos provar. O que é que tem?
A turma do deixa-disso tentou dissuadir o casal – maconha era péssimo para saúde, levava a outras drogas, podia cegar – mas não houve acordo.
– Não morro sem conhecer esse tal desse “beque” – sentenciou Vô Nofrinho e saiu da sala.

Lilita, a filha mais velha, virou-se para o marido e perguntou, atônita:
– E agora, Conrado?
– É fazer o desejo dos velhos…
– É, mas quem vai arrumar o fininho?
– Dentro daquela tua caixinha de maquiagem não tem um?
– Tem, Conrado, mas é pra quando eu tô com cólica.
– E você tem cólica menstrual todo dia, Lilita?
– Cada um com seus problemas. E você? Não arruma um lá dos seus?
– Meus?
– Os que estão naquela lata, no teu cofre, que eu sei.
– Aquilo é crack, mulher. Se a dona Zizi fumar aquela bomba ela vai ver Santa Rita de Cássia dançando bolero!

Nesse momento, o caçula Joquinha gritou do quarto:
– O biso caiu!
A emoção pela festa levara vô Nofrinho a uma brusca queda de pressão. Formou-se um rebuliço. Lilita chamou logo o vizinho, doutor Levy, cardiologista recém-formado. O médico entrou no quarto e fez um longo exame no vovô. A família ficou impaciente.
– Todo esse tempo! Será que aconteceu alguma coisa grave?

Conrado resolveu bater na porta. Doutor Levy saiu e acalmou a todos:
– Dei uma ponta das minhas pro seu Onofre e outra pra dona Zilá. Os dois agora estão na paz.
E, antes de voltar para o quarto enfumaçado, disse:
– Alguém podia trazer um prato de doce que os dois estão numa larica forte?

(Crônica do livro “Clássicos de mim mesmo”, de Carlos Castelo, Matrix Editora).




Carlos Castelo é psicanalisado, escritor, letrista e um dos criadores do grupo de humor musical Língua de Trapo. É colaborador do Estadão e das revistas Bravo, Ponto (Sesi-SP) e Bula. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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