Hoje em dia existe um grande apelo pela felicidade, em diversos meios. Diversos filmes longa-metragem passam a mensagem de que é importante que ao final do nosso “romance” estejamos sempre sorrindo. Propagandas de TV, de internet, enfim, as mais diversas, promovem seus produtos atrelados a uma ideia de que estes nos farão belos e realizados. Alguns escritos com teor de autoajuda nos dizem que somos essencialmente felizes e que só depende da gente descobrir a felicidade, com otimismo, bons pensamentos, etc. Não que essas coisas não tenham seu valor – e não é o intuito desse texto falar sobre – mas e quando, apesar de saber e praticar tudo isso, as coisas simplesmente dão errado?

Vamos supor que eu sou uma pessoa extremamente otimista e empreendedora. Adoro cantar e quero viver de música! Então eu acredito na ideia, aperfeiçoo minha técnica vocal, aprendo teoria musical, componho algumas músicas de minha autoria e me inscrevo em diversos locais onde poderei ser visto. Consigo passar para um deles, um concurso na TV. Só que algo inesperado me ocorre. No dia em que eu cantaria para os jurados, uma forte gripe se abate sobre mim. Não somente perco minha voz, como também fico com febre alta e muita tosse. Passa a ser impossível cantar bem. Eu tento, mas sem poder render bem, não atraí a atenção dos jurados. Ninguém virou a cadeira para mim. Passada a situação, como lidar?

No exemplo, eu fiz de tudo que podia, e mesmo assim tudo, a meu ver, deu errado. Minha mente estava focada, estava eu acreditando firmemente que meu desempenho seria bom. Não faltou otimismo ou mentalização de sucesso. Meu esforço também, segundo certos meios, me prometiam a alegria da aprovação. Mas…bom, vimos o que aconteceu.

Porém, a vida é muito mais ampla que o que posso esperar ou garantir. Essa a sua riqueza, esse o seu desafio. Nem sempre seremos vitoriosos, como a mídia ensina. Somos ensinados que basta que nos esforcemos e seremos exatamente o que NÓS queremos. Mas isso, na prática é verdade? Se esse desejo inicial está estagnado no tempo é sim, uma enorme armadilha que criamos para nós mesmos.

Viver a existência não é tal como ouvir um álbum de música. Não basta darmos play que nos depararemos com a música X no momento y e no momento Z ouviremos nosso solo de flauta favorito. Ela é construída a cada momento, a cada escolha, e diante de cada desafio. Uma tentativa frustrada pode significar algumas coisas:

1) Algo, de sua parte, foi feito de forma equivocada;

2) Nada foi feito errado, talvez o OBJETIVO esteja inadequado ao seu desejo ou a determinadas circunstâncias de sua vida;

3) Tudo foi bem feito, e o objetivo está adequado, mas não era para ser naquele momento;

A partir do não-acerto, surge algo inesperado, mas extremamente rico. A possibilidade de reformular planos, reformular objetivos e, por fim, reformular a si mesmo. Toda derrota é uma vitória em potencial, na medida em que me faz me redescobrir mais capaz e diferente de antes.

Nenhuma vitória na vida significa que não teremos grandes e numerosas derrotas daqui pra frente, e nem uma derrota não significa que não possamos ter inesquecíveis vitórias. Pois se eu vivo a existência buscando só atingir os objetivos, olho para a mesma de uma forma muito dependente das circunstâncias. Descobrir a própria capacidade de escolher e de crescer em TODAS as situações é o que me faz rico, mesmo sem ter muito dinheiro.

Então, e quando as coisas simplesmente dão errado? Elas não dão errado. Mas ganham uma oportunidade de recomeçar.

Sabe aquele exemplo fictício citado? Ele poderia ter um final bastante interessante: Após a audiência frustrada pela gripe, descobri que uma pessoa me viu naquele episódio do programa. Era um produtor musical. Ele conhecia minha dedicação e gostava da minha voz, mas não sabia que eu buscava trabalhar com isso. Quando viu que eu tentei entrar para o programa de novos músicos, me recomendou para cantar em uma banda. E hoje vivo de música, como gostaria, inclusive cantando minhas composições.

É, ainda bem que tudo pode dar errado.




Psicólogo, reside no Rio de Janeiro e é colunista do site Fãs da Psicanálise.

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