Quais são os sagrados? Equivoca-se o homem ao pensar que o sagrado habita apenas o altar de uma igreja, o terreiro de candomblé, o templo budista, o Corão, a Bíblia, os Vedas. Encontra-se o sagrado, preguiçoso, na rede que domingo balança à tarde na varanda. Encontra-se o sagrado, ansioso, no tempo de ver o amor atravessar a sala do desembarque no aeroporto. O intervalo entre os ruídos que o existir nos causa e cansa é um dos modos de sagrado. Encontra-se este sagrado, no chá de hortelã final da noite, no tempo macio vivido no edredom sábado de inverno.

Sabe-se o sagrado no cheiro bom do almoço e da terra molhada de chuva, no orgasmo que silencia nossos pensamentos. É janela que sabe do pôr-do-sol degradê. O beijo, o olhar de cúmplices e a entrega dos amantes, o quartinho cheio de boas velharias que gostamos de guardar. O sagrado é o espaço que a gente gentilmente impõe contra o cotidiano do mundo. Pode-se nele viver tristeza, luto, dor, mas com a educação de um anfitrião que sabe que o convidado não se permanece. E para além das liturgias e religiosas solenidades, este viés de sagrado tem ritual? Tal qual o cigarro e o cafezinho após a refeição. Entrega e descanso? A poltrona velha e confortável do canto da sala que espera seu dono depois do trabalho. O livro que nos aguarda para ser lido. O abraço que deseja acontecer. O sagrado é o espaço de amizade – e postura de silenciosa veneração – para com a vida. E para consigo mesmo.




Poeta, escritor e colunista do site Fãs da Psicanálise.

2 COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui