(…) tudo pode ser dito, mas nada pode ser afirmado

É inegável a mudança que o tratamento analítico sofreu ao longo dos anos desde sua função pelo pioneirismo de Sigmund Freud. Do início do século XX até hoje, a psicanálise tem evoluído junto com as necessidades culturais e humanas e de acordo com os novos paradigmas do século XXI.

O analista desceu do salto. Não mais lhe cabe exibir o seu pomposo emblema de sujeito do suposto saber, o famoso “s.s.s” lacaniano. Não é papel do analista ditar a verdade definitiva. Até porque não a possui.

Ninguém é o dono da razão, mas sim cheio de incertezas e o psicanalista não foge à regra. Hoje, o psicanalista, frente às novas fronteiras clínicas e sociais, deve adotar uma postura interrogativa.

Simpatias ou dogmatismo por escolas à parte… Na transmissão, principalmente, tudo pode ser dito, mas nada pode ser afirmado sob pena de propor uma psicoterapia uma, quando as problematizações são múltiplas.

Quanto aos pacientes, é comum, na clínica de hoje, uma alta incidência de sujeitos com um sentimento de baixa autoestima e toxicomania. Também há os quadros de indivíduos altamente estressados, contudo, as patologias clássicas também aparecem (neuroses fóbicas, por exemplo). Entretanto, somos tomados a estudar um fenômeno relativamente recente: a patologia do vazio.

Segundo o psicanalista David E. Zimerman, a queixa inicial desses pacientes postulantes à análise recai frequentemente em uma angústia existencial quanto à validade da existência em si.

Zimerman também diz que nos pacientes que sofrem da “patologia do vazio”, o eixo do sofrimento não gira tanto em torno dos clássicos conflitos resultantes do embate entre pulsões e defesas.

“O giro se faz predominantemente em torno das carências, provenientes das faltas e falhas que se instalaram nos primórdios do desenvolvimento emocional primitivo, e determinaram a formação de vazios no ego, verdadeiros “buracos negros” à espera de serem preenchidos pela figura do psicanalista, o que poderá ser feito por meio de sua função psicanalítica”.

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Hoje, quem procura o tratamento psicanalítico apresenta, em boa parte, uma tendência para a busca de soluções mais rápidas e, alegando razões econômicas reais – porque de fato o poder aquisitivo baixou –, insistem em ter um menor número de sessões semanais, além de uma duração mais curta da análise.

Adicionado ao sucesso dos medicamentos milagrosos, ocorre uma perigosa confusão entre muitos pacientes e psicoterapeutas de outras linhas e métodos teóricos. Alguns, e não me furto em falar de analistas também, agem como se fossem resolver todos os problemas humanos sem encaminhamento para possíveis profissionais mais adequados àquela demanda.

O prejuízo para o paciente é incalculável e para o analista indissolúvel. É preciso aprender mais sobre as novas formas de se fazer análise, pois, mais do que nunca, a psicanálise está em evidência e isso tem um preço: o da eficácia do método.

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Psicanalista; Especialista em Saúde Mental e Dependência Química; Mestre em Filosofia da Religião; Doutor em Psicologia (Dr.h.c); Doutorando em Psicanálise (Phd); Analista Didata da Escola Freudiana de Vitória (Acap); Ex-presidente e membro da Associação Psicanalítica do Estado do Espírito Santo (Apees); Coordenador do Centro Reviver de Estudos e Pesquisas sobre Álcool e outras Drogas (Crepad); Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL). É colunista do site Fãs da Psicanálise.

8 COMENTÁRIOS

  1. Acho que o sujeito da era capitalista sofre por “não ter valor” e ter que comprar o que tem valor para se sentir bem; só que para comprar tudo isso ele precisa de algo de valor ( dinheiro) coisa que poucos tem em quantidade suficiente. Então ele sem valor, e sem “valor” para comprar coisas de valor, se sente ainda mais sem valor – e fica um vazio. Sabemos que o dinheiro não traz felicidade mas ajuda muito a nos distrair enquanto continuamos procurando.

  2. As patologias do vazio são, nem mais, nem menos, que as estruturas estado-limite, onde as modalidades defensivas se organizam para escamotear a falha ao nível da representação interna (no sentido freudiano), concomitante ao fracasso das capacidades simbólicas, ou do processo de simbolização (dai o vazio e a consequente incapacidade de pensar, no sentido bioniano do termo). É por aqui que está a retornar o problema fóbico, mas está a retornar, em minha opinião, como me parece que de algum modo concorda, ao nível do funcionamento estado-limite, não ao nível do funcionamento neurótico (estas não são as fobias clássicas). Estas fobias são assimbólicas (não neuróticas; não há, na base dos sintomas, deslocamentos que justifiquem equívocos simbólicos, o que há é declarada precariedade do simbólico) e têm como pano de fundo angústias ligadas ao desamparo, proveniente das falhas, faltas e carências a que se refere no seu texto. Também é por esta porta que entram as toxicodependências, as depressões, o acting out, as perturbações alimentares, a psicossomática, etc, etc. As estruturas estado-limite são polissintomáticas, o seu eixo comum é a falha narcisica primitiva (não neurótica). Esta é a minha breve opinião sobre a matéria que abordou. André Green é uma referencia que merece destaque nesta mesma matéria. Gostei do texto (é actual). Cumprimentos.

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