Há em mim uma passividade, uma lentidão, e um olhar ainda humano para as pessoas e as situações… Algo que costumei chamar de ‘nobreza de alma’. Algo que já definiram como ingenuidade (mas não é tão simples assim). Ainda existe e sempre tem existido em mim uma velha crença na vida, no bom lado das pessoas, nas boas intenções das falas e atitudes…

Não, isso não é muito bom. Quantas vezes nessa vida eu me vi sendo educada, serena e distraída em situações que precisavam que meu sangue fervesse no momento e de uma boa imposição de limites, de uma fala mais firme e forte e de atitudes de autodefesa imediatas.

E quantas vezes demorou pra minha ficha cair…. quer dizer, às vezes caia cinco minutos depois… eu via sim um absurdo acontecendo, mas por algum motivo, talvez por um excesso de empatia que o olho no olho trás; por mais que eu estivesse sendo passada para trás, num primeiro momento eu acolhia o humano da outra pessoa, eu tentava entender o lugar dela e esquecia de lembrar das minhas dores e feridas, do lado que me toca… Meu lado eu fui aprendendo a cuidar sozinha em casa, com meus autodiálogos, com meus livros, amigos e escritas…

Mas quanta coisa eu queria ter dito e não disse. Hoje lembro de algumas situações cruciais e no meu silêncio observador, na minha caridade para o absurdo do que se passava… Quantas vezes a outra pessoa pensou que eu era nobre o bastante, altiva o bastante, segura e madura o bastante pois podia sair calma, evoluída e tranquila de um fato que no fundo me afetou muito.

Talvez porque as coisas em mim têm que cozinhar lentamente, e absorver camadas mais profundas. Talvez porque eu tenha sido educada desde pequena a agradar, a deixar ser… Ou talvez eu tenha desenvolvido um trauma com relação a brigas e conflitos e por isso eu seja uma grande pregadora da serenidade. Porque realmente eu não gosto que o meu sangue ferva, que meu dia se encha de adrenalina e que a raiva domine o meu corpo…

Mas é aquela velha história, paz sem voz, paz sem vez, não é paz, é medo. Serenar na frente de absurdos, dos absurdos autorrecebidos, é uma atitude de desamor consigo mesmo. E ficar sendo empático com pessoas que estão sendo simplesmente idiotas conosco, é uma submissão e um fortalecimento da estupidez do outro.

Eu não quero mais essa ‘nobreza’… não quero que se aproveitem dela. Não quero essa serenidade que depois me tira o sono e me põe digerindo partes da história que não eram minhas, vestindo os aprendizados de outras almas. Eu não quero ficar entendendo profundamente o humano e o outro lado, sendo que o meu, quem realmente se importa?

Mais do que nunca é preciso estar atento e forte. É preciso clareza e percepção, é preciso ação e fala. É preciso o humano junto com a revolta e a serenidade junto com a não aceitação.

Que eu não seja cegamente explosiva, inchada de emoções à flor da pele. Mas que eu também não seja submissa e passiva.

Que a alegria e a força feminina por vezes inflamem essa minha velha e ultrapassada nobreza.

(Imagem: Amadeo Valar)




Clara Baccarin é paulista dos interiores, nascida nos anos 80. É escritora, poeta e agitadora cultural. Faz parte do grupo editorial Laranja Original. Publicou, pela editora Chiado, o romance poético Castelos Tropicais (2015) e a coletânea de poemas, pela editora Sempiterno (2016), Instruções para Lavar a Alma. Em 2017 lança, em parceria com músicos e compositores, o álbum Lavar a Alma, que reúne 13 de seus poemas musicados. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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