Com o passar dos anos, venho percebendo que outras coisas aumentam para além das velinhas do bolo de aniversário. Aumenta o autoconhecimento, aumenta o poder – ou o termo correto seria “a coragem”? – de decisão, aumenta a praticidade com as coisas da vida… e aumentam, sobretudo, os nossos silêncios.

Um silêncio aumentado pode parecer assustador para quem está habituado apenas aos pequenos silêncios. Mas com o tempo os pequenos silêncios vão se aglutinando como ilhas que se sabem sós e por isso mesmo decidem formar, por afinidade, um continente sabiamente recheado de espaços vazios…

Nossos silêncios aumentam porque as palavras começam a perceber sua impotência para mudar certas coisas. Nem todo verbo é, de fato, criador – ao menos não para criar a realidade que gostaríamos. E então, ao invés de continuar com aquele exercício árduo e desgastante de insistir incansavelmente, a gente começa a optar pelo silêncio. Simples assim. Difícil assim.

E esse silêncio, que a princípio é uma consequência do nosso cansaço emocional, faz brotar coisas lindas. Lindas e férteis. Tão férteis que fazem nossos silêncios crescerem.

O silêncio é uma redoma, que protege nossa essência mais preciosa dos desvalores do mundo.

Ao longo da vida travamos tantas lutas já fadadas à derrota, nos entregamos, desarmados, a tantas batalhas impossíveis… É tão imensa a esperança que carregamos no peito que ela compromete o discernimento dos nossos olhos. Mas é assim que construímos – aos poucos, a duras penas – a tal da maturidade silenciosa.

Não passamos a desejar menos, não passamos a nos importar menos, não mudamos nossos valores – nem nossos amores. Mas começamos a escolher melhor as nossas brigas. E quando alguma faz sentido, ah!, a gente já chega dando voadora. Mas pra uma luta valer a pena, ela vai precisar primeiro passar pelo crivo do nosso silêncio.

Em algum momento a gente para de tentar fazer mágica e começa a aceitar as coisas como elas são; começa a entender que algumas situações não vão melhorar por maior que seja o nosso desejo; que as pessoas não vão mudar só porque queremos medi-las com a fita métrica da nossa expectativa. E então, pra economizar energia e preservar a paz interior, a gente aprende a silenciar.

O silêncio nos faz mais conscientes. Porque nos obriga ao recolhimento, à análise lenta (não existe pressa no mundo do silêncio) do que se desenrola à nossa frente. Palavras ditas sem o processamento necessário podem causar danos irreversíveis, tristezas avassaladoras e mudanças de rota perigosas. A palavra apressada retida pelo silêncio, quando se assenta, vira uma flor.

O silêncio nos faz mais autênticos. Porque exige a nossa solidão, no sentido mais lindo e mais íntegro do termo. E quando nos damos conta da completude que existe nisso, não estaremos mais rodeados de pessoas e de lugares e de barulhos e de artifícios que nos distraiam de nós mesmos. Poderemos estar em qualquer lugar, com qualquer pessoa, fazendo qualquer coisa – mas por vontade genuína, por vontade tranquila. Estaremos sempre inteiros. A vontade desesperada retida pelo silêncio, quando se assenta, vira uma borboleta que dança no ar.

O silêncio nos faz mais descomplicados. Porque ele desconhece os relógios e os espelhos, ele é uma imensidão sem contornos. Quando nos desapegamos do tempo e da imagem, nos aproximamos mais da essência das coisas, da beleza única das coisas, do equilíbrio perfeito entre todas as coisas. E finalmente percebemos que a realização – que tantas vezes buscamos na carreira, n@ parceir@, no corpo magro, na conta bancária gorda – está muito distante do mundo do das formas, da Matrix. O impulso vaidoso retido pelo silêncio, quando se assenta, vira cheiro de chuva num fim de tarde.

Acessar o mundo do silêncio exige respeito, disciplina e, acima de tudo, paciência. Paciência com as nossas próprias limitações, com os nossos medos, com as nossas ameaçadoras solidões escondidas. As primeiras tentativas, via de regra, são doloridas e só com muita persistência conseguimos dar um passeio curto por ali vez ou outra. Mas aos poucos vamos nos familiarizando, vamos nos sentindo acolhidos, compreendidos… Logo nos tornamos visitantes assíduos. E quando nos damos conta, já somos autênticos jardineiros silenciosos, que cultivam flores coloridas, colecionam borboletas dançantes e acalmam a alma cansada com a chuva restauradora de um final de tarde.




Graduada em Letras, com MBA na área de Engenharia da Qualidade, não trabalha nem numa área, nem na outra - o que mostra que nem tudo é linear nessa vida. Não é terapeuta, nem psicóloga; está começando a tatear seus caminhos profissionais na astrologia (porque é por ali, no meio das estrelas, que o coração dela estacionou há tempos...). Tirando a parte dos rótulos, ela é apenas uma dessas pessoas que tentam viver com ética, bom humor, leveza e autenticidade - e que nem sempre conseguem, mas continuam tentando. Escrever foi a forma que ela encontrou, desde muito criança, para organizar a bagunça da mente e do coração. Por sorte, tem funcionado desde então. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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