A designer Julia*, 26, de São Paulo, sempre teve mania de limpeza. “Estou o tempo todo lavando a mão”, afirma. Com a disseminação do novo coronavírus, causador da Covid-19, o cuidado foi redobrado. Mas os hábitos de higiene de Julia não foram a única coisa a se intensificar durante a pandemia: assim como muitos solteiros ao redor do mundo, ela também sentiu a solidão bater mais forte. “Estar solteira pode ser bem difícil, imagina durante a quarentena. É meio treta”, diz em entrevista para Universa.

Problemas modernos pedem soluções modernas. Diante da pandemia, Julia entrou, então, em um acordo com um “contatinho” para se ajudarem a segurar a barra durante o isolamento social.

“Foi bem natural. Ficamos falando sobre como seria difícil passar por isso tudo sozinhos e chegamos à conclusão de que seria legal termos um ao outro para nos apoiar.” Agora, a designer tem alguém para trocar fotos, conversar e fazer videochamadas diárias enquanto o toque de recolher está valendo. Ela se tornou uma das pessoas que decidiram assumir um “relacionamento” para driblar a solidão da quarentena.

A atriz Taís Araújo conta que seus pais, separados há anos, também decidiram enfrentar esse período juntos. Como se dão bem, um pode dar suporte ao outro durante o isolamento e, de quebra, deixar a filha mais tranquila.

O psicólogo Yuri Busin, especialista em neurociência do comportamento, diz que a comunidade médica está bastante preocupada com os danos psicológicos causados pelo período de isolamento. Tanto que a Organização Mundial de Saúde divulgou um guia com cuidados com a saúde mental durante a pandemia, que inclui a orientação de “manter contato e criar uma rede de apoio de amigos e pessoas próximas.

“A solidão é algo que acompanha a sociedade há muito tempo, mas com a quarentena, alguns sintomas, como ansiedade e depressão, começam a se tornar mais acentuados”, diz o especialista.

A angústia surge de uma “histeria” que estaríamos vivendo. “Querendo ou não, somos uma geração que não passamos por grandes ‘desgraças’, como uma guerra, e esse tipo de acontecimento faz a gente ter a sensação de que o mundo vai acabar.”

Por cogitarmos que um possível fim pode estar próximo, as pessoas podem tomar decisões pouco racionais. “Muita gente já vivia a solidão antes do isolamento, mas antes elas podiam interagir com outras pessoas”, diz o especialista. Sem o contato pessoal, os indivíduos buscam formas alternativas de diminuir a solidão, como aplicativos de relacionamentos e “webnamoros”, em que a relação se dá apenas pelo ambiente virtual. O Happn é um aplicativo de relacionamento que mostra as pessoas solteiras com quem você cruzou na rua. Logo após o anúncio oficial de quarentena na Itália, a empresa percebeu uma queda de conexões criadas dentro da plataforma.

Porém, passado o choque, a empresa disse que houve um aumento no número de mensagens trocadas dentro do aplicativo. Vendo o maior engajamento, o Happn anunciou esta semana que ampliaria o raio de alcance de “matches” de 250 metros para 90 quilômetros, aumentando, assim, as chances de conexões. “Em um enquete feita na semana passada, 54% dos usuários consideraram ter o ‘primeiro encontro’ por vídeo e esta porcentagem continua subindo”, afirma um porta-voz do Happn.

Antes de assumirem a amizade colorida, Julia e o “crush” já tinham saído juntos por dois meses, mas pararam de se ver durante o Carnaval. Voltaram a se falar pouco antes da crise sanitária estourar. Desde então, eles mantêm a relação apenas pelo WhatsApp. “Não queremos nos expor”, diz a designer.

Que seja eterno enquanto a quarentena durar

Mas não é só de webnamoro que vive o amor de pandemia. Fábio* e Marcelo* estavam ficando esporadicamente há meses, mas mantinham outros contatinhos engatilhados. Porém, antes de entrarem em isolamento, eles tiveram um último encontro juntos.

Sozinhos, cada um na sua casa, os dois começaram a lamentar sobre a solidão e tiveram uma ideia: enfrentarem a quarentena juntos. Um se mudou para a casa do outro e agora eles mantêm um relacionamento monogâmico -válido pelo menos durante a quarentena. “Não quero sair com desconhecidos que podem estar doentes e acabar transmitindo para pessoas que gosto, por isso decidi ficar um pouco quieto com ele”, afirma Fábio.

Foi a forma que os dois encontraram de terem companhia, mas também um chamego durante o isolamento. “Tenho meus amigos, que amo muito, porém quero dar beijo na boca, fazer sexo, o que só um parceiro poderia me dar”, fala Marcelo.

De acordo com Yuri Busin, esse tipo de acordo não é exatamente ruim. “Com a quarentena, temos um tempo de reflexão sobre o que queremos. E estar aberto a viver diversas formas de relacionamento é um bom jeito de descobrir o que você gosta, o que você quer. De quebra, você se sente amparado, acolhido”, diz o psicólogo. Mas esta não seria uma “muleta” emocional para passar por um momento estressante? “Em situações como a que estamos vivendo, as emoções positivas são muito buscadas para compensar o medo. Cada um vai encontrar a sua saída e não quer dizer que ela seja certa. No entanto, somos seres que buscam o amor, e a desgraça une as pessoas.”

No dia 8 de abril, os habitantes de Wuhan, cidade chinesa que foi primeiro epicentro da Covid-19, devem deixar o isolamento que começou em 23 de janeiro. Julia, Fabio e Marcelo ainda têm, possivelmente, pelo menos dois meses de isolamento pela frente. Eles não sabem se amor de pandemia sobrevive aos dias pós-quarentena, mas estão abertos para ver no que vai dar. “O acordo sempre pode ser estendido”, brinca Fabio.

(Fonte: Yuri Busin)

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