Minha família sempre foi daquelas famílias de comercial de margarina. Família completa, sabe?

Não sei se era porque era homem, mas a pessoa que mais gostava era do meu pai. Tínhamos uma relação muito bacana apesar de o meu pai ser meio fechadão em relação aos sentimentos. Era o jeito bruto dele, mas ele também tinha a sua doçura. E eu não podia esquecer-me de dizer que ele foi realmente o cara que me acompanhou em todas as etapas da vida até a sua morte.

Gostava de jogar futebol com ele no quintal e a gente se zombava quando um perdia do outro. Meu pai quase sempre ganhava mesmo sendo mais velho, mesmo sendo ruim no futebol, mas eu era péssimo, então esse “grande” mérito de dar uma caneta nunca criança desengonçada no futebol não era tão meritório assim. Mas eu adorava! Porque meu pai trabalhava de segunda a sexta e chegava em casa cansado todos os dias. Lembro-me dos dias que ele chegava estressado e eu ficava triste junto com ele dizendo sempre “vai passar pai!”

Meu pai sempre torceu muito por mim e me mimava muito. Flamenguista doente e um cara hiper-responsável que além de ser o famoso “homem da casa”, era o pai da casa, o meu melhor amigo, meu maior companheiro de músicas melosas – época em que o pagode dos anos 90 era trilha sonora de qualquer casal. Lembro muito bem do meu pai no carro escutando essas músicas e a gente na garagem escutando esses grupos que nem existem mais. Hoje em dia muita coisa não existe mais, inclusive o cara que eu dedico esse texto.

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Não existe em carne e osso, porque eu lembro que depois do almoço dormia junto com ele ouvindo o radinho dele. Meu pai era viciado em ouvir rádio e me trouxe o vício até hoje. Não consigo dormir sem ouvir o programa que ele mais gostava. Ele tinha uma paixão que era o Flamengo, seu time do coração. Mais que coração, o Flamengo estava na pele, estava no adesivo do carro, estava entre os vizinhos que comentavam os jogos com ele e quando ele me acordava de madrugada quando o Flamengo ganhava e eu já estava dormindo.

A eternidade não existe, ou será que existe? Sei lá, mas perder um pai não é fácil não. Ainda mais um cara que pegou você no colo, viu você andar, seguiu seus passos e cada passada de coração. Que coração esse homem tinha! E tinha mesmo! Meu pai enfartou. Não consegui acreditar que tudo seria realmente o fim. Ou talvez um começo. Bem, o meu pai ficou uma semana no hospital e chegou ao falecimento antes da cirurgia para desentupir uma das veias do coração. Não resistiu.

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A gente nunca tá preparado, eu acho. Eu não estava! Sabe aquela família de margarina? Ela estava se derretendo aos poucos e começou com o “homem da família”. Quando a minha irmã chegou do hospital e disse que meu pai havia falecido eu cheguei na varanda, fiquei de joelhos chorando muito e disse “vai com Deus pai…”

Hoje a saudade que eu tinha dele chegar rápido do trabalho virou lembrança. Hoje tudo virou lembrança. Mas lembrança boa e isso que me faz encarar as coisas com menos tristeza… Eu não perdi o meu pai porque ele tá na lembrança, na memória e às vezes sinto que ele tá do meu lado na tristeza ou na alegria. Mas isso vai da crença de cada um.

É, eu não tenho mais o abraço do meu pai. Dentre as principais coisas que ficou na memória foi o tal time que ele torcia. Flamengo jogando com o Fluminense e meu pai no hospital. Todo intubado ele me pediu: Filho traga o meu radinho que eu quero ouvir o jogo! Os médicos não deixaram porque seria muita emoção pra ele. Haja coração para o meu pai. E realmente era mesmo. Meu pai não pode ouvir o jogo porque faleceu. O Flamengo? Ganhou do Fluminense. E acredito que o céu ganhou mais uma estrela.

Como eu encarei a morte do meu pai? Acho que são passagens… Ele passou, deixou o seu legado, deixou a educação exemplar que eu faço questão de seguir até hoje, me fez ser um homem que respeita as mulheres e os idosos. Ele virou mais que memória: ele virou essa história. Uma história que eu confesso escrever emocionado, mas com a certeza de que ele está num bom lugar e olhando pra mim.

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Hoje o “homem da casa” mudou de posto, hoje o “homem da casa” sou eu. Ainda sou da mesma casa, porque não tive filhos. Mas sonho muito em fazer tudo que o meu pai me ensinou para uma criança e chamar de minha. Só não chegou a hora, não devo estar preparado.

Talvez meu coração não esteja preparado ainda para começar tudo de novo, fazer o que o meu pai fez por mim… Porque o coração ainda grita chamando o nome do cara mais importante da minha vida. E o coração precisa estar preparado…




É escritor, estudante de Psicologia e é colunista do site Fãs da Psicanálise.

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