Presidente da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), a psicóloga porto-alegrense Ana Maria Rossi, 71 anos, especializou-se no tratamento de pacientes que sofrem com estresse e ansiedade. Nesta entrevista concedida por telefone, ela fala sobre o impacto do coronavírus, os lados negativo e positivo de sentir medo, como lidar com pensamentos obsessivos em relação à pandemia e como ajudar quem estiver estressado.

Existe o medo do contágio e da morte, mais imediatos, e os temores de recessão econômica e desemprego. Em paralelo, são necessárias restrições de convívio social, de atividades físicas ao ar livre ou em academias, de diversões coletivas. Como lidar com o estresse?
Antes de falarmos sobre atitudes, vamos falar mais sobre causas. A principal lição que vai ficar desta pandemia é a humildade. Não tenho ouvido falar muito, ouço sobre solidariedade e sobre empatia. Mas esse vírus não está diferenciando status, dinheiro, aparência. Essas coisas se tornam irrelevantes.

Mesmo líderes de países ricos, como (Donald) Trump (presidente dos Estados Unidos), vieram com rompantes mas depois baixaram a crista. A arrogância com que algumas pessoas, principalmente tratando-se de líderes, têm se manifestado sobre o vírus, desrespeitando e ironizando a opinião de especialistas no assunto, pode causar profundo conflito para alguns, gerando um estresse. Se esses líderes não estão cumprindo as determinações, “será que está havendo exagero?”, podem pensar algumas pessoas. “Será que devo cumprir as determinações das autoridades no assunto?”.

Os questionamentos geram ambivalência, aumentando ainda mais o estresse e a ansiedade. O fato de pessoas que são referência terem a humildade de rever sua opinião valida o alerta das autoridades, ajudando assim a minimizar a ambivalência e, em consequência, reduzir os níveis de estresse.

Que tipo de riscos o estresse oferece durante a pandemia?
O estresse aumenta as dificuldades cognitivas, o que pode nos levar a tomar decisões erradas, e reduz a imunidade, que é tudo o que a gente não quer. Neste momento, pode aumentar o risco de suicídios, principalmente de pessoas deprimidas, mas também de pessoas que venham a se sentir desamparadas ou por causa do desemprego, ou por causa de uma redução dramática de salário. Podem entrar em desespero por não terem recursos para saldar suas dívidas.

Fora questões externas, como essas, há algum tipo de pessoa que possa estar sofrendo mais?
Além das pessoas deprimidas e que já têm histórico de ansiedade ou crises de pânico, creio que as pessoas extrovertidas devem estar subindo pelas paredes diante da restrição de sair. Por outro lado, também acho que deve aumentar bastante o número de gestações. Com o impedimento de sair, os casais estão mais juntos.

Mas tem clima para sexo?
Acho que sim. É verdade que a libido baixa dramaticamente nos casos de estresse extremo. Mas, como as pessoas não estão sequer se exercitando, sua energia vai aumentando. E muitas pessoas diminuem sua carga de estresse através do orgasmo, da ejaculação. É uma forma de se equilibrar. No entanto, também imagino que vá haver mais separações. No nosso dia a dia, as pessoas mal se veem. Agora, essa bolha forçada pode se tornar desconfortável.

A pessoa precisa identificar o seu limite de exposição às notícias. O quanto consegue ficar acompanhando as mensagens. Se a pessoa estiver com um pensamento obsessivo, que ela procure, naquele momento, focar atenção em outra coisa. Tem umas regrinhas consideradas bobas, mas não tão bobas assim: contar quantas janelas têm no edifício ao lado, quantos ladrilhos tem na cozinha. Só para conseguir se desviar um pouco.
Como trabalhar, seja em home office, seja na empresa? Como se concentrar sendo bombardeado por notícias e mensagens?
Em primeiro lugar, devemos nos proteger seguindo as orientações médicas. São o que temos de mais importante e o que mais pode nos preservar.

Depois, estamos falando de disciplina mental. A pessoa precisa identificar o seu limite de exposição às notícias. O quanto consegue ficar acompanhando as mensagens. Se estou sentindo que essas notícias estão me afetando, aumentando meu nível de estresse e de ansiedade, tirando minha concentração, é minha responsabilidade inibir isso. Puxar o freio do mão.

Se a pessoa estiver com um pensamento obsessivo, que ela procure, naquele momento, focar atenção em algo que lhe dê prazer. Só para conseguir se desviar um pouco, criar um distanciamento emocional. Tem umas regrinhas consideradas bobas, mas não tão bobas assim: contar quantas janelas têm no edifício ao lado, quantos ladrilhos tem na cozinha, buscar distrações mentais, como vasculhar as memórias. É um modo de diminuir a adrenalina na corrente sanguínea. Se a circulação no sangue for alta por períodos muito prolongados, aumentam os riscos de problemas de saúde, incluindo a depressão.

De que modo podemos enfrentar o medo e a ansiedade?
O medo e a ansiedade têm um lado positivo e negativo. O positivo é que nos coloca numa posição de alerta. Precisamos, com toda a garra, nos focar na prevenção. O medo faz com que as pessoas sejam mais motivadas a práticas que inibem a disseminação. O negativo é que, quando medo e ansiedade são muito acentuados, podem se tornar incapacitantes. Terminam exercendo um controle sobre a pessoa, criando um estado de pânico. Nesse estado, as pessoas ficam mais suscetíveis às fake news, por exemplo.

Como identificar se estamos sendo dominados pelo medo e pela ansiedade?
Se as pessoas começam a somatizar, sentir dores de cabeça, sofrer de insônia, ter pensamentos obsessivos, coisas que estejam prejudicando mais ainda sua rotina, a ponto de começar a brigar com as pessoas e nem conseguir ler um livro, é o caso de buscar ajuda profissional, mesmo que online.

Ao que devemos prestar atenção?
Vale lembrar que toda pessoa ansiosa é estressada, mas nem todo estressado é ansioso. Para aliviar o estresse, muitas pessoas podem se valer de álcool, da finger food gordurosa e nada nutritiva e da automedicação, com ansiolítico ou indutor do sono, por exemplo. Não adianta a gente criticar esse comportamento, mas vale tentar desviar o foco, chamar para ouvir uma música, ver um filme, brincar com as crianças. Apresentar uma alternativa.

Há pessoas que têm mais resistência e recursos internos para gerenciar estresse. Otimistas, tendem a olhar as dificuldades não como um obstáculo, mas como um desafio. Elas podem ajudar os outros. Mas não é legal tentar minimizar a angústia de uma pessoa, também não funciona dizer ‘relaxa, não é nada’. Tem de chamar para uma conversa, mas para ouvir. Na maior parte das vezes, a pessoa que está sofrendo não quer ouvir conselhos, ela quer é falar.

Como ajudar quem sente mais o estresse?
Com certeza, há pessoas que têm mais resistência e recursos internos para gerenciar estresse. Existem características em comum: são pessoas mais positivas, otimistas, tendem a olhar as dificuldades não como um problema, um obstáculo, mas como um desafio. Elas se motivam, se encorajam. Podem ajudar os outros. Não é legal tentar minimizar a angústia de uma pessoa, vai fazer com que ela se sinta mais sozinha, também não funciona dizer “relaxa, não é nada”, isso faz a pessoa se sentir incompetente. Tem de se colocar no sapato dessa pessoa. Tem de chamar para uma conversa, mas para ouvir. Na maior parte das vezes, a pessoa que está sofrendo não quer ouvir conselhos, ela quer é falar.

Isso faz lembrar aquela anedota do paciente que se queixa de que o psiquiatra não diz nada, só fica olhando.

Exatamente. A pessoa não necessariamente procura uma solução, ela quer desabafar. Somos muito focados em dar sugestões e soluções, mas temos de deixar as pessoas elaborarem suas emoções. Assim, elas próprias podem começar a achar sua própria força, a confiar mais em si, a perceber que sua reação pode estar sendo desmedida e a praticar sua inteligência emocional. Um par de ouvidos vai ser muito importante durante a pandemia. E acrescento uma dica que vale para todos: talvez seja um bom momento de a pessoa inserir na sua rotina a respiração abdominal. A maioria das pessoas tem a respiração torácica. É hora de lembrar a dos bebês: barriguinha para cima quando inspira, barriguinha para baixo quando expira.

(Fonte: gauchazh)

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