Para não perder tempo, vamos começar esse ensaio de forma prática. Quero que pegue uma folha em branco e coloque um lápis ou uma caneta ao lado dela. Para que o artigo seja mais bem aproveitado é muito importante que, mesmo que você não realize essa tarefa concretamente, tenha essa imagem em pensamento.

Uma folha em branco, com uma caneta ao lado, nos induz ao preenchimento desse vazio, não é? Pois bem, é para fazer exatamente o inverso. Hoje iremos aceitar o vazio.

Esse vazio é o vazio que existe em sua vida. Aquele bloqueio criativo, aquela carência insaciável, aquele silêncio incômodo… enfim, essa folha em branco é o reflexo de todos aqueles momentos em que a melancolia do nada se abateu sobre você. O nosso velho e conhecido tédio existencial.

Peço para realmente não enrolar. Observe bem esse vazio, note como ele é capaz de incomodar, como bate aquela vontade de preenchê-lo com alguma coisa…qualquer coisa parece ser melhor que lidar com o vazio.

Ele dói, não é?

E então? Com o que você normalmente preenche os seus “nadas”? Comida, sexo, trabalho, compras, autoajuda…Note bem o formato do seu vazio, o que cabe dentro dele? Quais são os seus contornos? Ele tem fim?

A conclusão ocidental de que “a natureza abomina o vácuo” causou erroneamente a ideia de que devemos também odiar o vazio. Tudo aquilo que não for preenchido de função prática (ganhar dinheiro, trazer mais foco, te fazer mais forte) não teria sentido.

Se não há vazio, não há espaço para se colocar o novo. Tornamo-nos acumuladores existências, lotados de tralhas afetivas que não precisamos e que, há muito tempo, não sabemos para que servem (não estariam elas, então, vazias de sentido?). Portas mentais atravancadas de quinquilharias, relacionamentos falidos, restos de comida pouco nutritivas.

Teu vazio não é como o meu ou como o de seus amigos. Cada um lida de uma forma diferente com ele; cada vazio é capaz de gerar espaços diferenciados. É ele quem permite o formato da sua personalidade e deveria ser mais bem tratado.

O psicólogo junguiano James Hillman lembra que o vazio está criando uma forma, um jeito específico de existir. O vazio estabelece modos de conter, modos de medir, modos de diferenciar.

O conteúdo pode importar e, sim, ele importa. Mas perceba como estar em frente de uma tela em branco é permissão para muitas possibilidades. Quando um relacionamento termina, lembre-se como vazio causado é motivo de incomodo, mas também proporciona um mundo a ser recriado de forma nova, às vezes, mais rico e mais autêntico.

A questão é que o vazio não deixará de ser incomodo, mas pode ser vivenciado como possibilidade. Sem um espaço em branco, nada de novo pode entrar na sua vida. Continue por mais um tempo diante da folha, deixe a caneta quieta no canto dela.

Acredite, você ainda precisa bater um bom papo com seu vazio antes de colocar qualquer coisa nele.




Marcelo Marchiori é psicólogo clínico, especialista em interpretação de sonhos e imaginação ativa. Escreve [quase] diariamente sobre psicologia, comportamento e sociedade. Pode ser seguido por seu perfil no Facebook. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

2 COMENTÁRIOS

  1. O que eu mais gosto de fazer é “ NADA”.
    Tenho muitas tarefas, trabalho 60 horas por semana” -dois emprego que eu amo” -faço faculdade a noite, lavo , passo, cozinho e arrumo minha casa. Aliás minha casa é onde eu mais gosto de ficar. Meu lugar encantado “- financiado…. ainda falta 31 anos para quitar-“ Então, quando faço todas as “obrigações”, todas as tarefas cumpridas e tenho aquele sentimento de dever cumprido. Então ….me
    vejo sem fazer NADA. Deito no sofá e vejo apenas as nuvem se movimentarem, vou ao parque e me deparo com formigas trabalhando e fico as observar, apenas apreciando a VIDA e sendo grata por tudo que conquistei e pela saúde que tenho.
    Nada, o meu NADA é simplesmente libertador.

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